Crise econômica está associada a 31,4 mil mortes a mais no Brasil, diz estudo
Efeito na saúde causado pela recessão no país foi medido por renomado periódico científico em 5.565 cidades entre os anos de 2012 e 2017
são paulo A recessão econômica brasileira está associada a um aumento de 4,3% na taxa de mortalidade adulta entre 2012 e 2017. Em números absolutos, isso significa que, em razão da crise, o país registrou 31.415 mortes a mais.
É o que diz artigo recémpublicado no renomado periódico científico The Lancet Global Health. O trabalho envolveu pesquisadores do Reino Unido e do Brasil que atuam em um programa conjunto de pesquisa sobre o sistema de saúde brasileiro, o SUS.
Eles examinaram as taxas de mortalidade de 5.565 municípios brasileiros no período de cinco anos e as cruzaram com dados do Ministério da Saúde, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Sistema de Informação Orçamento Público em Saúde.
Um aumento de um ponto percentual na taxa de desemprego foi associado a um crescimento da taxa de mortalidade de 0,5 ponto percentual (por 100 mil habitantes) por todas as causas, principalmente em razão do câncer e de doenças cardiovasculares.
Entre 2012 e 2017, a taxa de desemprego subiu de 8,4% para 13,7%. Já a da mortalidade cresceu 8% —de 143 para 154 mortes por 100 mil habitantes. Metade (4,3%) estaria associada à crise econômica.
O crescimento da mortalidade foi observado mais entre homens, entre os que se autodeclaram negros ou pardos e entre pessoas de 30 a 59 anos. Não houve associação significativa identificada entre o desemprego e a mortalidade em brasileiros brancos, mulheres, adolescentes, idosos e aposentados.
Nem todos os municípios do Brasil foram afetados negativamente pela recessão, segundo o artigo. Cidades com maiores gastos no SUS e no Bolsa Família apresentaram aumentos menores ou nenhum acréscimo na mortalidade.
Outros trabalhos internacionais já mostraram que as crises econômicas podem piorar a saúde em países de baixa e média renda, com mercados de trabalho e sistemas de saúde e proteção social fracos.
Na Europa, por exemplo, o impacto da recessão econômica foi menor em países com fortes programas de saúde e proteção social, incluindo acesso a seguro-desemprego e apoio à reciclagem de habilidades para pessoas que perdem seus postos de trabalho.
Como no Brasil muitos brasileiros estão inseridos informalmente no mercado de trabalho, em empregos mal remunerados e sem acesso a seguro-desemprego ou plano de saúde, os autores afirmam que é crucial que o financiamento do SUS e de programas de proteção social como o Bolsa Família sejam protegidos.
“Esses programas são reconhecidos internacionalmente e fornecem proteção vital para a saúde e o bem-estar do país”, disse Thomas Hone, autor principal do estudo, do Imperial College London.
Estudos dessa natureza sempre despertam desconfiança. Seria mais uma associação espúria? Na opinião do médico Luis Correa, especialista em medicina baseada em evidências, não é o caso desse trabalho, mesmo consideradas limitações metodológicas.
“Embora causalidade não possa ser definitivamente comprovada pelo caráter do estudo, trata-se de uma elegante análise. Não se limita a demonstrar aumento de mortalidade no período de crise. A associação com desemprego e o efeito protetor de características sociais e um sistema de saúde mais favorável reforçam a inferência causal.”
Para ele, o trabalho sugere sim que a crise gerou consequências negativas em saúde. “Cautela devemos ter no tamanho do efeito descrito, pois a morte é multicausal.”
Para a médica Fátima Marinho, professora do Instituto de Estudos Avançados da USP, está ocorrendo uma piora generalizada nos indicadores de saúde.
“O excesso de mortes identificado no artigo vem confirmar a piora. Não é possível aceitar que mais pessoas vão adoecer e morrer, quando poderiam não morrer e adoecer menos”, diz ela, que coordenou até 2018 a base dados do Ministério da Saúde.
Segundo Marinho, houve muitos avanços na saúde da população brasileira nos últimos 15 anos, como o aumento da expectativa de vida. “Não podemos ir para trás. Vejam o sarampo, voltou após ser erradicado. Há que ter mais dever com a saúde e a vida do povo.”
Os resultados do estudo também jogam luz em um velho debate entre analistas econômicos. Parte deles defende que, numa recessão econômica, é preciso cortar tudo.
O ajuste fiscal foi o amargo remédio adotado pela então presidente Dilma Roussef (PT) na crise de 2014.
Em 2016, o presidente Michel Temer aprovou a emenda constitucional 95, que congelou os gastos públicos federais por 20 anos, ou seja, determina que devem crescer apenas de acordo com a inflação do período.
Outros economistas argumentam que, quando há alta do desemprego, é preciso manter os gastos sociais para proteger os mais vulneráveis.
Hoje resta pouca dúvida de que a EC 95 representa uma grave ameaça ao SUS, sistema cronicamente subfinanciado e que tem visto seus recursos minguarem cada vez mais. Quando a emenda foi aprovada, a equipe econômica da época garantiu que não haveria perdas para a saúde. Não foi o que aconteceu.
Pela regra anterior à EC 95, o orçamento da saúde para 2020 deveria ser de R$ 132,3 bilhões, mas, segundo projeto enviado ao Congresso pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), o montante deverá ser de R$ 122,9 bilhões, ou seja, R$ 9 bilhões a menos.
Ainda assim, R$ 8,1 bilhões desse montante são recursos provenientes de emendas parlamentares, dinheiro que deputados e senadores destinam a suas bases eleitorais.
Sem eles, o Orçamento do próximo ano não alcançará o mínimo constitucional para a área, estimado em R$ 121,2 bilhões. O governo diz que isso não vai acontecer.