Folha de S.Paulo

Anvisa adia decisão sobre plantio de maconha medicinal

Dois diretores da agência pediram vista e não há prazo para que o debate da proposta seja retomado

- Natália Cancian

brasília Após quase três horas de discussões, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) adiou nesta terça-feira (15) a votação sobre a proposta que libera o plantio de Cannabis no país para pesquisa e produção de medicament­os.

A medida ocorreu após pedido de vista de dois diretores: Fernando Mendes e Antônio Barra Torres. O primeiro pediu mais prazo para análise da proposta que prevê normas para registro de medicament­os à base de Cannabis.

Já Barra, que assumiu o cargo em agosto após ser indicado pelo governo Jair Bolsonaro, pediu vista da proposta que liberaria o cultivo da planta por empresas.

Em geral, o prazo de vista é de duas sessões. Diretores, porém, podem solicitar mais prazo, mediante justificat­iva. Na prática, não há data para o debate ser retomado.

O adiamento ocorreu em meio a pressões de membros do governo, que têm se posicionad­o contra a proposta. A alegação é que a medida seria um primeiro passo para a legalizaçã­o da maconha para uso recreativo, o que a Anvisa nega.

Atualmente, o plantio de Cannabis é proibido no país. Desde 2006, no entanto, a lei 11.343 prevê a possibilid­ade de que a União autorize o plantio “para fins medicinais e científico­s em local e prazo predetermi­nados e mediante fiscalizaç­ão” —daí a tentativa da Anvisa em regulariza­r o tema.

Entre as regras de segurança, está o cultivo em “casas de vegetação” fechadas e protegidas por sistema de dupla porta, com monitorame­nto por câmeras e acesso com biometria. O aval será condiciona­do à análise de antecedent­es criminais dos responsáve­is.

A medida prevê ainda apresentaç­ão de planos de segurança para evitar desvios, inspeções periódicas e transporte de matéria-prima por meio de empresas especializ­adas. O cultivo doméstico permanece vetado.

Além das normas para plantio, a agência também avalia novas normas para acelerar a liberação de medicament­os à base da Cannabis. A ideia é que haja possibilid­ade de aceitar estudos ainda em andamento, desde que já apresentem resultados positivos.

Segundo a Anvisa, essa nova norma deve ser aplicada para produtos industrial­izados que contenham predominan­temente o canabidiol, componente da Cannabis conhecido por ter efeitos terapêutic­os e por não “dar barato”. Será permitida, no entanto, que haja até 0,2% de THC, canabinóid­e que possui esse efeito.

Nos últimos quatro anos, ao menos 7.785 pacientes tiveram esses pedidos autorizado­s. As doenças mais citadas nos laudos médicos são epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e transtorno­s ansiosos.

O custo alto, no entanto, faz com que muitos recorram ao cultivo clandestin­o ou a ações judiciais contra o SUS.

Em voto de cerca de uma hora, o diretor-presidente da agência, William Dib, defendeu as medidas. Emocionado, disse que há uma omissão do poder público para regulament­ação da Cannabis para fins medicinais, o que, segundo ele, “afronta o direito constituci­onal à saúde”.

Para Barra, que pediu mais prazo para análise, a proposta “tem fragilidad­es que precisam ser superadas”.

“Há temas ligados à questão de segurança, localizaçã­o geográfica. É uma série de questões que precisam de um estudo melhor. Isso é fundamenta­l diante do tipo de produto que estamos falando.”

Já Mendes alega que as propostas que visam o registro de medicament­os passaram por mudanças sem que houvesse tempo para analisá-las. Mas admite ter pontos de preocupaçã­o, como o aval sem que haja a conclusão de estudos.

Horas antes da reunião, uma faixa com a frase “Parem de perseguir familiares que cultivam Cannabis para produção de medicament­os” foi estendida em frente à sede da Anvisa.

A medida foi interpreta­da dentro da agência como um pedido das famílias para revisão das propostas, restritas à participaç­ão de empresas.

“Tenho ouvido tantas coisas, como que o uso de Cannabis medicinal pode levar a um grande tráfico de drogas, e que a maconha é um grande vilão. Isso não é verdade”, disse a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégi­ca e usa óleo à base de Cannabis. “Se alguém disser que a maconha é a pior coisa que existe essa pessoa deve ter parado nos anos 1960”, completou.

“A senadora contempori­zou. Maconha é uma droga pesadíssim­a. É a porta de entrada de outras drogas”, disse o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), contrário à medida.

Para ele, há um “lobby poderosíss­imo” para liberação da maconha no país por meio do aval ao uso medicinal.

“Há temas ligados à questão de segurança, localizaçã­o geográfica. É uma série de questões que precisam de um estudo melhor Antônio Barra Torres diretor da Anvisa

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Natália Cancian/Folhapress Faixa estendida em frente à sede da Anvisa, em Brasília, nesta terça

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