Capacidade de Uefa e Fifa impedirem atos racistas no futebol fica em xeque
Após paralisação de partida na Bulgária, políticos cobram medidas mais rígidas de entidades
são paulo Rugidos de macacos, saudações nazistas e blusas com o logo da Uefa e a inscrição “no respect” (sem respeito, em inglês), como forma de ironizar a campanha da entidade contra a discriminação, compuseram as cenas mais comentadas da última rodada das eliminatórias para a Eurocopa de 2020.
Esses elementos fizeram parte do repertório de torcedores búlgaros na goleada por 6 a 0 sofrida para a Inglaterra, na segunda (14), em Sofia. O cenário, porém, não pode ser chamado de imprevisível.
O Estádio Nacional Vasil Levski já havia sido parcialmente fechado (5.000 lugares) por determinação da Uefa após manifestações de racismo por parte da torcida local.
Atletas ingleses também haviam dito, dias antes do duelo, que consideravam abandonar o jogo caso ouvissem manifestações discriminatórias.
A medida de fechamento de setores do estádio passou a ser adotada recentemente pela Uefa para tentar combater o problema. A justificativa é que, ao proibir o funcionamento total dos estádios, clubes e federações nacionais sentirão o impacto na receita.
Outra norma estabelecida pela entidade e também pela Fifa foi a do chamado “procedimento das três etapas”. Esse item do protocolo, que dá ao árbitro o poder de encerrar um jogo por manifestações preconceituosas, poderia ter sido utilizado em Sofia, mas o processo chegou apenas à penúltima etapa.
O árbitro croata Ivan Bebek parou duas vezes a partida. Na primeira, após cânticos racistas dos búlgaros, o sistema de som do estádio pediu que os torcedores parassem.
Na segunda, apesar de os atletas continuarem em campo (o protocolo diz que eles deveriam ir para vestiário), o jogo foi suspenso por alguns minutos. O capitão búlgaro, Ivelin Popov, conversou com torcedores no alambrado, pedindo a eles que parassem.
Se o duelo fosse interrompido novamente, a partida seria encerrada. Alguns torcedores prosseguiram com as ofensas, mas o jogo, mesmo assim, continuou até o fim.
“Para a Fifa e para a Uefa, enquanto campanha contra o racismo, não foi legal. A Fifa acreditou que com essa ameaça as pessoas iriam respeitar, mas realmente será preciso encerrar o jogo. Ali era o momento de ela provar que estava preocupada com a questão racial. E falhou”, afirma à Folha Marcelo Carvalho, diretorgeral do Observatório da Discriminação Racial do Futebol.
Nesta terça (15), o presidente da federação búlgara de futebol, Borislav Mihaylov, pediu demissão depois que o primeiro-ministro, Boiko Borissov, foi a público requisitar o desligamento do dirigente.
Também nesta terça, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que lidera o processo de saída da União Europeia, criticou o ocorrido e pediu ação imediata da Uefa.
“O vil racismo que vimos e ouvimos na noite passada não tem lugar no futebol e em lugar nenhum. Apoio totalmente o [técnico da seleção inglesa] Gareth Southgate e o time por superarem isso. Precisamos ver ação dura e ágil da Uefa”, escreveu no Twitter.
A Uefa publicou um comunicado com a palavra do mandatário da entidade, o esloveno Aleksander Ceferin, que citou as medidas adotadas na busca por eliminar o problema.
“As sanções da Uefa estão entre as mais duras do esporte para os clubes e federações cujos torcedores sejam racistas em nossas partidas. A Uefa é o único órgão do futebol que bane jogadores por dez partidas por comportamentos racistas. Associações de futebol não conseguem resolver o problema sozinhas. Os governos também precisam fazer mais”, disse Ceferin.
Para Carvalho, o apelo de Ceferin pode esbarrar na ascensão recente de governos nacionalistas no continente.
“Na Europa, o número de estrangeiros negros é maior, e isso faz com que as pessoas que têm esse preconceito expressem isso nos estádios. Existe também a questão da impunidade, de estar no meio da multidão e de poder fazer o que quiser sem ser identificado”, diz Carvalho.
Na Itália, governada até agosto por uma coalização formada com o partido A Liga (direita nacionalista), a atual temporada da Série A ficou marcada por manifestações racistas nas arquibancadas.
O belga Romelu Lukaku, da Inter de Milão, ouviu cantos de macaco da torcida do Cagliari. Líderes dos ultras da Inter minimizaram o caso, pedindo que o atacante entendesse o que classificaram como ato de provocação dos rivais.