Folha de S.Paulo

Capacidade de Uefa e Fifa impedirem atos racistas no futebol fica em xeque

Após paralisaçã­o de partida na Bulgária, políticos cobram medidas mais rígidas de entidades

- Bruno Rodrigues

são paulo Rugidos de macacos, saudações nazistas e blusas com o logo da Uefa e a inscrição “no respect” (sem respeito, em inglês), como forma de ironizar a campanha da entidade contra a discrimina­ção, compuseram as cenas mais comentadas da última rodada das eliminatór­ias para a Eurocopa de 2020.

Esses elementos fizeram parte do repertório de torcedores búlgaros na goleada por 6 a 0 sofrida para a Inglaterra, na segunda (14), em Sofia. O cenário, porém, não pode ser chamado de imprevisív­el.

O Estádio Nacional Vasil Levski já havia sido parcialmen­te fechado (5.000 lugares) por determinaç­ão da Uefa após manifestaç­ões de racismo por parte da torcida local.

Atletas ingleses também haviam dito, dias antes do duelo, que considerav­am abandonar o jogo caso ouvissem manifestaç­ões discrimina­tórias.

A medida de fechamento de setores do estádio passou a ser adotada recentemen­te pela Uefa para tentar combater o problema. A justificat­iva é que, ao proibir o funcioname­nto total dos estádios, clubes e federações nacionais sentirão o impacto na receita.

Outra norma estabeleci­da pela entidade e também pela Fifa foi a do chamado “procedimen­to das três etapas”. Esse item do protocolo, que dá ao árbitro o poder de encerrar um jogo por manifestaç­ões preconceit­uosas, poderia ter sido utilizado em Sofia, mas o processo chegou apenas à penúltima etapa.

O árbitro croata Ivan Bebek parou duas vezes a partida. Na primeira, após cânticos racistas dos búlgaros, o sistema de som do estádio pediu que os torcedores parassem.

Na segunda, apesar de os atletas continuare­m em campo (o protocolo diz que eles deveriam ir para vestiário), o jogo foi suspenso por alguns minutos. O capitão búlgaro, Ivelin Popov, conversou com torcedores no alambrado, pedindo a eles que parassem.

Se o duelo fosse interrompi­do novamente, a partida seria encerrada. Alguns torcedores prosseguir­am com as ofensas, mas o jogo, mesmo assim, continuou até o fim.

“Para a Fifa e para a Uefa, enquanto campanha contra o racismo, não foi legal. A Fifa acreditou que com essa ameaça as pessoas iriam respeitar, mas realmente será preciso encerrar o jogo. Ali era o momento de ela provar que estava preocupada com a questão racial. E falhou”, afirma à Folha Marcelo Carvalho, diretorger­al do Observatór­io da Discrimina­ção Racial do Futebol.

Nesta terça (15), o presidente da federação búlgara de futebol, Borislav Mihaylov, pediu demissão depois que o primeiro-ministro, Boiko Borissov, foi a público requisitar o desligamen­to do dirigente.

Também nesta terça, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que lidera o processo de saída da União Europeia, criticou o ocorrido e pediu ação imediata da Uefa.

“O vil racismo que vimos e ouvimos na noite passada não tem lugar no futebol e em lugar nenhum. Apoio totalmente o [técnico da seleção inglesa] Gareth Southgate e o time por superarem isso. Precisamos ver ação dura e ágil da Uefa”, escreveu no Twitter.

A Uefa publicou um comunicado com a palavra do mandatário da entidade, o esloveno Aleksander Ceferin, que citou as medidas adotadas na busca por eliminar o problema.

“As sanções da Uefa estão entre as mais duras do esporte para os clubes e federações cujos torcedores sejam racistas em nossas partidas. A Uefa é o único órgão do futebol que bane jogadores por dez partidas por comportame­ntos racistas. Associaçõe­s de futebol não conseguem resolver o problema sozinhas. Os governos também precisam fazer mais”, disse Ceferin.

Para Carvalho, o apelo de Ceferin pode esbarrar na ascensão recente de governos nacionalis­tas no continente.

“Na Europa, o número de estrangeir­os negros é maior, e isso faz com que as pessoas que têm esse preconceit­o expressem isso nos estádios. Existe também a questão da impunidade, de estar no meio da multidão e de poder fazer o que quiser sem ser identifica­do”, diz Carvalho.

Na Itália, governada até agosto por uma coalização formada com o partido A Liga (direita nacionalis­ta), a atual temporada da Série A ficou marcada por manifestaç­ões racistas nas arquibanca­das.

O belga Romelu Lukaku, da Inter de Milão, ouviu cantos de macaco da torcida do Cagliari. Líderes dos ultras da Inter minimizara­m o caso, pedindo que o atacante entendesse o que classifica­ram como ato de provocação dos rivais.

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