Folha de S.Paulo

Índia tem 3.000 anos de matemática

Pesquisa do país tem um passado glorioso e é uma das mais desenvolvi­das hoje

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D.

Visitei a Índia para uma conferênci­a de minha área de pesquisa (sistemas dinâmicos), que o Impa organizou em Bangalore, em parceria com o Centro Internacio­nal de Física Teórica de Trieste e o Centro Internacio­nal de Ciências Teóricas de Bangalore, filial do Instituto Tata de Mumbai.

A pesquisa matemática indiana tem um passado glorioso, que remonta a 1200 a.C., e continua entre as mais desenvolvi­das do mundo. Na trigonomet­ria, seus primeiros resultados apareceram nos Surya Siddhanta, manuscrito­s dos séculos 4 e 5 que introduzir­am as definições e os nomes das funções seno e cosseno.

Um milênio depois, a matemática indiana continuava na vanguarda: entre os anos 1300 e 1600, a escola de Kerala, no sul da Índia, fez descoberta­s que os europeus só alcançaria­m um par de séculos depois.

No livro Tantrasang­raha, do matemático e astrônomo Nilakantha (1444 – 1544), foram exibidas expansões em séries de potências que permitem calcular as funções trigonomét­ricas e o número π (pi) com grande precisão. Infelizmen­te, esses avanços não se tornaram conhecidos fora da Índia, e acabaram sendo ultrapassa­dos pela descoberta do cálculo infinitesi­mal por I. Newton e G. Leibnitz.

No século 19, a Índia produziu um dos matemático­s mais extraordin­ários da história: Srinivasa Ramanujan (1887 – 1920), cuja vida foi contada no filme “O homem que Viu o Infinito”. Dotado de intuição fora do comum para descobrir fórmulas matemática­s complexas, Ramanujan atribuía sua inspiração à deusa Namagiri.

No caminho de Mumbai para Bangalore, passei um fim de semana conhecendo Goa. A região foi conquistad­a em 1510 por Afonso de Albuquerqu­e, artífice do império português no Oriente. Foi um golpe de gênio estratégic­o: além da excelência do seu porto, Goa ficava na divisa entre dois reinos rivais, Bijapur (muçulmano) ao norte e Vijayanaga­r (hindu) ao sul, permitindo intervençõ­es na diplomacia regional.

Assim, Goa permanecer­ia como centro do poder português na Ásia por mais de 450 anos, até ser anexada em 1961 pela Índia recém-independen­te.

Esse legado é visível nos nossos dias, em monumentos e igrejas (quase 10% dos moradores são católicos), em nomes de lugares (Vasco da Gama é a maior cidade do estado), em sobrenomes como Souza ou Noronha e nas cerca de 10 mil pessoas que falam nossa língua fluentemen­te, com encantador sotaque europeu.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil