Folha de S.Paulo

Os infiltrado­s

Homenagead­o na Mostra de SP, Olivier Assayas traz ao evento o filme ‘Wasp Network’, com Wagner Moura, Penélope Cruz e Gael García Bernal em trama sobre espiões cubanos

- Bruno Ghetti

veneza A julgar por seus filmes mais recentes, Olivier Assayas não seria lá a escolham ais óbvia para d iri gir“WaspNetwor­k ”. Atrama de espionagem, com fortes elementos de ação e suspense, exigiria um cineasta mais naturalmen­te propenso à adrenalina do que o francês, conhecido por filmes cerebrais como “Vidas Duplas”.

Mas foi a minissérie televisiva “Carlos, o Chacal”, de 2010, incursão bissexta de Assayas no universo do thriller político, que logo veio à mente do produtor brasileiro Rodrigo Teixeira, da RT Features, quando teve a ideia de financiar o longa. Afinal, “Wasp Network” conta a história (real) de cubanos que se infiltrara­m em uma rede anti-Fidel Castro baseada na Flórida, nos anos 1990, com o intuito de desmantelá-la.

“Sempre acompanhei o trabalho do Assayas e o admiro”, diz Teixeira, que convidou o francês para d iri gir“WaspNetwor­k”justamente porca us ade “Carlos”. “Fiquei muito feliz quando ele aceitou, e o trabalho foi incrível”, complement­a.

Assayas topou por saber que seria um desafio. “De vez em quando, gosto de fazer filmes como ‘Vidas Duplas’, que escrevo, filmo elanço. Mas também adoro filmes como ‘Wasp’, que envolvem proporções maiores e muito mais logística”, disse o cineasta a este repórter, no Festival de Veneza, onde o longa disputou o Leão de Ouro, em setembro.

O filme pode até ter deixado o evento sem prêmios, mas chega por aqui em posição prestigios­a —será o longa de abertura da 43ª Mostra Internacio­nal de Cinema de São Paulo, nesta quarta (16). Assayas, aliás, ganhará uma retrospect­iva de sua obra no evento, que vai até o dia 30, eviráàcapi­talp aulista para a homenagem.

Inspirado no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, do jornalista mineiro Fernando Morais, “Wasp Network” traz uma constelaçã­o latina: a espanhola Penélope Cruz, o mexicano Gael García Bernal, o argentino Leonardo Sbaraglia, o venezuelan­o Edgar Ramírez e o brasileiro Wagner Moura. As principais cenas foram rodadas em Cuba.

“Trabalhei no projeto, parando e retomando, por uns quatro anos. O livro [de Morais] é muito difícil de ler, porque é cheio de dados —são fatos, fatos e mais fatos. Então tive de escolher o que era relevante ou não para atrama ”, diz o diretor. “Mas o bom é que, quando fui checar com outras fontes certas informaçõe­s, as do livro estavam corretas. É uma obra rigorosa. Eu sabia que tinha algo sólido com o que trabalhar.”

Assayas afirma que o longa figura entre os mais difíceis que já realizou. “Foi um pesadelo para viabilizar —é tipicament­e o filme que te traz dificuldad­es para bancar. Não fornece brechas para continuaçõ­es ou uma ‘prequel’, é em espanhol, lida com questões controvers­as. Eé mais caro doque um filme independen­te costuma ser .”

Também não foi fácil a adaptação do livro para atela. Em Veneza, o filme recebeu elogios, mas também críticas pelo roteiro por vezes confuso.

O próprio cineasta reconheceu que uma volta à sala de edição seria bem-vinda. “Tivemos que correr um pouco para estar prontos para Veneza a tempo, então tive que cortar algumas partes, e não fiquei tão satisfeito assim. Algumas coisas devem voltar para o filme em breve”, explicou Assayas, após a estreia na Itália.

A versão que será exibida na Mostra já é a atualizada, com ajustes na montagem. Se foi fiel à promessa, o diretor incluiu cenas para humanizar e deixar a trama mais clara.

Em “Wasp Network”, Assayas jamais camufla o fascínio com que vê a luta de muitos cubanos para defender o socialismo na ilha. Mas também não esconde os percalços pelos quais o país vem passando desde os anos 1990. O diretor chegou a pensar que teria problemas com autoridade­s.

“No começo, os cubanos não nos queriam [no país]. Procuramos outros lugares para se passarem por Havana, mas era impossível. Cogitamos Porto Rico, República Dominicana, Uruguai, Panamá... Você encontra arquitetur­as coloniais com parentesco com a de Cuba, mas é diferente, não são tão bonitas nem tão desgastada­s como as de lá”, diz o cineasta.

“No começo, achei que seria um constrangi­mento, porque iriam tentar confiscar o filme ou mandar uma delegação para isso, o que me aterrorizo­u. Mas não aconteceu”, diz.

“Acho que os cubanos autorizara­m porque sentiram que realmente queríamos fazer esse filme e que o faríamos de qualquer maneira. Então era melhor que fosse rodado de fato lá, até porque poderiam dar uma espiadela no que estava sendo feito... Mas a realidade é que, sem Cuba, precisaría­mos ter abandonado o filme.”

Nas semanas em que passou na ilha, o diretor pôde conhecer a situação atual do país. “Não sou um expert em política, mas, pela minha observação, não acho que as novas gerações estariam prontas para enfrentar um outro Período Especial, que é como os cubanos chamam a década de 1990, quando o país deixou de receber ajuda soviética.”

“A economia cubana dependia [há até pouco tempo] muito do Brasil e da Venezuela. Definitiva­mente já perderam o Brasil”, diz, referindo-se à política externa de Jair Bolsonaro. “E agora, seja lá o que ocorrer com a Venezuela, Cuba será diretament­e afetada”, conclui.

43ª Mostra de Cinema de SP

De qui. (17) a 30/10. R$ 20 a R$ 24 (ingressos individuai­s). Programaçã­o e pacotes em 43.mostra.org

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Ilustração Jairo Malta

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