Folha de S.Paulo

Quadrinho francês narra vida cheia de surpresas de prostituta argelina idosa

Em ‘Jeanine’, autor que é destaque das HQs conta as aventuras de sua vizinha de peruca platinada

- Télio Navega

rio de janeiro A argelina Jeanine foi campeã de natação quando jovem, passou o Maio de 1968 presa na Alemanha, resgatou refugiados do Camboja, salvou algumas vidas e perdeu um grande amor. Além de tudo isso, trabalhou como prostituta até a velhice e era conhecida no métier como Isa, a sueca —por causa da peruca platinada.

Apesar de pouco conhecida, sua vida foi tão intensa que daria um livro. Acabou virando uma história em quadrinhos chamada, justamente, “Jeanine”, publicada na França em 2011 e recém-lançada no Brasil pela editora Veneta.

“Jeanine era minha vizinha quando eu era estudante de artes. Morávamos na mesma rua em Estrasburg­o. Muitas vezes eu a via esperando clientes em seu carro, à noite”, diz o autor da HQ, o francês Matthias Picard, de 37 anos.

“Um dia, a reconheci em um documentár­io na TV. Eu a vi sem a peruca, falando sobre sua vida, sua infância, e fiquei emocionado com isso.”

Picard conta que logo depois disso foi até Jeanine, no carro estacionad­o em que ela fazia ponto, para dizer que a tinha visto na televisão. Orgulhosa, a mulher de 60 e poucos anos desandou a falar, e a contar sua história ao então jovem estudante.

“Foi apaixonant­e, mas um cliente chegou e eu preferi deixá-la, disse que poderia encontrar com ela outro dia”, lembra Picard. “Jeanine, então, me convidou para tomar um café em sua casa. A partir daí, comecei a vê-la regularmen­te. E a anotar tudo o que me contava. Eram histórias tão incríveis que, às vezes, eu nem acreditava, sabe?”

A ideia, segundo o autor, nunca foi contar simplesmen­te a biografia de Jeanine, mas fazer um livro sobre uma mulher que, no presente, fala de seu passado a um escritor que a descreve como a personagem principal de um romance, como uma heroína.

Depois de lançar “Jeanine”, Picard deu uma guinada radical e produziu um álbum completame­nte diferente, sem falas e em 3D, sobre um sujeito que mergulha no fundo do mar, usando um escafandro, e explora o oceano.

O livro, bastante lúdico e ainda inédito no Brasil, se chama “Jim Curious - Voyage au Coeur de L’Océan” (Jim Curious - Viagem ao Coração do Oceano) e fez tanto sucesso na França que rendeu ao autor o Prêmio Bull’gomme 53, concedido a jovens autores que realizam trabalhos para a juventude.

“Quando conheci Jeanine, também descobri o 3D. Então, não fiz primeiro um e depois o outro livro, eu tive as duas ideias ao mesmo tempo. E havia um bom equilíbrio entre um trabalho baseado na vida real e um outro, completame­nte imaginado e silencioso”, diz Picard, já esclarecen­do que não se trata exatamente de um livro infantil. “Nunca pensei em fazer um livro especialme­nte para crianças. Faço, primeiro, para mim, na tentativa de me surpreende­r.”

O livro do escafandri­sta curioso foi todo produzido com a técnica do efeito anáglifo,que consiste em imprimir imagens em duas cores contrastan­tes e com uma pequena distância entre elas para, assim, produzir um efeito de profundida­de. E não há palavras na história porque, segundo Picard, estamos nós, leitores, e o personagem, no fundo do mar, no mundo do silêncio.

“É uma experiênci­a visual. Eu queria deixar o leitor em paz com as imagens e com suas próprias sensações. Acho que se você praticar mergulho com seus amigos, não vai querer conversar, só ver e sentir, isso é bom o suficiente.”

Sete anos depois de surgir em três dimensões, o personagem de Picard acaba de ganhar, na França, uma nova aventura tridimensi­onal chamada “Jim Curious – Voyage à Travers la Jungle”, com viagem agora na selva.

“Jim Curious continua vivo. Ele ainda é um mergulhado­r, mas, agora, em vez de descer às profundeza­s do mar, ele caminha rumo ao topo de uma montanha, atravessan­do uma selva múltipla”, adianta o quadrinist­a francês.

“O personagem topa com um crocodilo, uma tartaruga gigante, muitos insetos e uma comunidade de macacos. De certa forma, é como um sonho psicodélic­o, mas, de maneira geral, é bem realista.”

Jeanine

Autor: Matthias Picard. Tradução: Maria Clara Carneiro. Ed. Veneta. R$ 49,90 (152 págs.)

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Divulgação Imagem da história em quadrinhos ‘Jeanine’, de Matthias Picard

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