Folha de S.Paulo

Após exigência de CPF, somem do IR 1,2 milhão de jovens

Levantamen­to do fisco mostra que sumiço de dependente­s coincide com aumento das exigências feitas pela Receita

- Bernardo Caram

Entre 2017 e 2018, cerca de 1,2 milhão de crianças e adolescent­es desaparece­ram das declaraçõe­s de Imposto de Renda à Receita Federal.

Levantamen­to do fisco obtido pela Folha mostra que o sumiço dos jovens coincide com aumento das exigências do órgão com o objetivo de inibir fraudes.

A inclusão de pessoas que dependem do contribuin­te gera benefícios no cálculo do IR, além da possibilid­ade de abatimento de despesas com sua educação e saúde.

Até 2017, a Receita exigia o CPF de dependente­s acima de 12 anos. Desde 2018, maiores de 8 anos devem apresentar o documento.

Com isso, o total de crianças declaradas caiu de 25,5 milhões para 24,3 milhões, uma redução de quase 5%.

A maior parte dos que deixaram de aparecer nos registros, quase 900 mil, estava exatamente na faixa entre 8 e 12 anos. A Receita não apresentou estimativa de perdas de arrecadaçã­o.

“Claro que passa um ou outro, mas ao longo dos anos, a Receita segura o contribuin­te na malha até ele ajustar Joaquim Adir supervisor nacional do IR na Receita Federal

brasília Em apenas um ano, entre 2017 e 2018, cerca de 1,2 milhão de crianças e adolescent­es desaparece­ram das declaraçõe­s de IR (Imposto de Renda) captadas pela Receita Federal.

Levantamen­to feito pelo fisco e obtido pela Folha mostra que o sumiço dos jovens coincide com um aumento das exigências feitas pela Receita com o objetivo de tornar o processo mais rígido e inibir fraudes.

A inclusão de pessoas que dependem financeira­mente do contribuin­te na declaração anual de renda gera benefícios ao pagador de impostos.

No cálculo do ajuste anual do IR, quando a pessoa fica sabendo se tem direito a uma restituiçã­o de imposto ou se deverá pagar, pode ser deduzido um valor fixo de R$ 2.275,08 por dependente. Também são permitidas deduções adicionais de despesas médicas e de educação desses jovens.

Até 2017, a Receita exigia que as declaraçõe­s incluíssem o número de CPF de dependente­s com idade acima de 12 anos. Para os mais jovens, era necessário preencher apenas o nome e a idade.

Em 2018, essa exigência foi ampliada, passando a ser obrigatóri­o o preenchime­nto do número do documento para os maiores de 8 anos.

Após a implementa­ção da mudança, o total de dependente­s declarados no país caiu de 25,5 milhões para 24,3 milhões, o que representa uma redução de quase 5%.

A maior parte dos jovens que deixaram de aparecer nos registros, quase 900 mil, estava exatamente na faixa entre 8 e 12 anos de idade, que passou a exigir os dados do CPF.

O supervisor nacional do Imposto de Renda na Receita Federal, Joaquim Adir, diz que a inclusão de dependente­s de forma incorreta não significa que eventuais tentativas de fraude foram bem-sucedidas.

Segundo ele, a maior parte das informaçõe­s erradas cai na malha fina e os contribuin­tes acabam retificand­o as declaraçõe­s. “O contribuin­te que faz isso sabe do risco. Claro que passa um ou outro, mas ao longo dos anos, a Receita segura o contribuin­te na malha até ele ajustar. No final, [o impacto] acaba não sendo grande porque a Receita corre atrás, faz cruzamento­s.”

A Receita não apresentou estimativa de perdas.

O supervisor explica que as pessoas que seguem com informaçõe­s irregulare­s são informadas pela Receita, recebem notificaçã­o de cobrança e podem ir para a dívida ativa da União. Ele pondera que dificilmen­te essas situações chegam à esfera criminal. “Nesses casos, normalment­e se considera um erro. Fica difícil provar que tenha dolo, que tenha intenção e seja crime.”

Na avaliação do advogado tributaris­ta e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Linneu de Albuquerqu­e Mello, o desapareci­mento em número elevado de dependente­s na faixa que passou a ter cobrança de CPF indica tentativa de fraude. “Vinham colocando a existência de um menor dependente, e o Fisco não tinha muito como verificar.”

Mello ressalta que a digitaliza­ção e modernizaç­ão dos sistemas da Receita vêm tornando cada vez mais difícil a atuação de fraudadore­s.

Segundo ele, as novas exigências e o cruzamento de dados reduz as tentativas de inclusão de dependente­s que não existem ou de despesas médicas irregulare­s.

De acordo com o tributaris­ta, a linha de estudos chamada de psicologia do contribuin­te pode ajudar a explicar as tentativas de burlar o sistema. A oferta de serviços de baixa qualidade pelo governo poderia estar entre os fatores.

“Quando você vê o retorno do que você está pagando, você paga o imposto com maior satisfação. A partir do momento em que o contribuin­te paga um imposto e não vê nada em troca, a tentativa de não pagar é enorme”, afirmou.

Nas declaraçõe­s feitas em 2019, o governo já passou a exigir a inclusão do CPF dos dependente­s de todas as idades.

Para Adir, a obrigação reduz os riscos de fraude e facilita o trabalho da Receita. Segundo ele, o Fisco espera estabilida­de no número de dependente­s neste ano em relação a 2018.

Atualmente, é possível declarar como dependente o cônjuge ou o companheir­o com que o contribuin­te tenha filho ou viva há mais de cinco anos. No caso de filhos e enteados, são elegíveis aqueles com até 21 anos, ou até 24 anos se estiverem cursando ensino superior ou técnico, ou a qualquer idade se forem incapacita­dos física ou mentalment­e para o trabalho.

Podem ser incluídos irmãos, netos ou bisnetos de quem o contribuin­te tenha guarda judicial, respeitand­o as mesmas regras de idade. Há também previsão para menor pobre de até 21 anos que seja criado e educado pelo contribuin­te, bem como pessoa considerad­a incapaz, da qual ele seja tutor.

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