Julgamento do STF pode beneficiar até 5.000 réus
Tribunal deve dar resposta definitiva sobre questão da prisão após condenação em segunda instância; tema divide ministros
O Supremo inicia hoje um dos julgamentos mais esperados dos últimos anos, que deve dar resposta definitiva sobre a constitucionalidade da prisão de condenados em segunda instância. Desde 2016, o STF autoriza a execução provisória da pena. Uma mudança dessa jurisprudência poderia beneficiar 4.895 réus, entre eles o expresidente Lula.
brasília O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) inicia nesta quinta-feira (17) um dos julgamentos mais esperados dos últimos anos, que deve dar uma resposta definitiva sobre a constitucionalidade da prisão de condenados em segunda instância.
Desde 2016, a jurisprudência do STF autoriza a execução provisória da pena, antes de esgotados os recursos nos tribunais superiores.
Uma mudança hoje teria potencial de beneficiar 4.895 réus que tiveram a prisão decretada após serem condenados em segundo grau, de acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgados nesta quarta-feira (16).
Nos últimos dez anos, o plenário do Supremo enfrentou esse tema ao menos cinco vezes, na maioria delas ao analisar casos concretos de pessoas condenadas —o último foi o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso mais célebre da Operação Lava Jato.
Agora, o tribunal vai julgar o mérito de três ações que tratam do assunto de maneira abstrata, sem estarem atreladas a um determinado réu —embora a sombra do petista permaneça sobre a corte.
Preso em Curitiba desde abril de 2018, Lula é um dos que podem se beneficiar com uma eventual mudança.
Como nas ocasiões anteriores, o Supremo está dividido: há ministros a favor da prisão em segunda instância e outros que entendem ser preciso esperar o trânsito em julgado (o fim de todos os recursos).
No meio, há uma proposta feita ainda em 2016 pelo ministro Dias Toffoli, hoje presidente da corte, de permitir a execução da pena após o julgamento do recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que é considerado uma terceira instância.
Pela ideia de Toffoli, Lula, em tese, não seria beneficiado no caso do tríplex de Guarujá (SP), que o levou à cadeia.
Em abril, o STJ já manteve a condenação do petista, fixando a pena em oito anos, dez meses e 20 dias de prisão.
Com a disputa de visões em curso, uma guerra de números esquentou o debate.
O CNJ divulgou o levantamento de potenciais beneficiados por uma mudança na jurisprudência a fim de rebater dados divulgados pela imprensa, no início desta semana, que indicavam que até 190 mil presos poderiam ser soltos por recursos pendentes.
Entre esses 190 mil, porém, a maioria também tem prisão preventiva decretada —para não pôr em risco o processo ou não voltar a delinquir, por exemplo— e não seria solta.
Do outro lado, voltou a circular um estudo realizado pelo STJ em 2018 segundo o qual só 0,62% dos recursos julgados naquela corte tinham conseguido reverter condenações de segunda instância e absolver os réus —número citado pelos que defendem a jurisprudência atual.
A contagem, porém, considerou apenas recursos das próprias defesas num período de dois anos e que resultaram em absolvição.
Levantamento da Folha também aponta que um em cada três recursos na área de direito penal ao longo de dez anos acabou modificado no STJ —não apenas para eventual absolvição, mas incluindo outras mudanças, como aumento ou redução de penas.
Nesta quarta, antes da sessão do Supremo, ministros favoráveis à prisão em segunda instância se manifestaram.
“Considero um retrocesso se essa jurisprudência for modificada”, afirmou Luiz Fux. “A jurisprudência até então segue padrões internacionais. Nos países onde a Justiça é muito célere, até pode-se cogitar do trânsito em julgado, mas, no Brasil, as decisões demoram muito para se solidificar.”
“Em todos os países, a mudança da jurisprudência se dá depois de longos anos, porque a jurisprudência tem de se manter íntegra, estável e coerente”, disse Fux.
O ministro Luís Roberto Barroso também falou do vaivém da jurisprudência.
“Queria lembrar que, desde 1940 até 2009, sempre se admitiu a prisão depois do segundo grau. De 2009 a 2016, não se admitiu. A partir de 2016, voltou a se admitir”, afirmou.
“Em 2009, quando o direito penal chegou ao ‘andar de cima’, mudou-se a jurisprudência para impedir a execução [da pena] depois do segundo grau. Os efeitos foram devastadores para o país e para a advocacia”, disse.
“Para o país, porque se consagrou um ambiente de impunidade para a criminalidade do colarinho branco. Para a advocacia, porque passou a impor aos advogados o papel indigno de ficar interpondo recurso descabido atrás de recurso descabido para não deixar o processo acabar.”
No centro da controvérsia no Supremo está o artigo 283 do Código de Processo Penal, segundo o qual ninguém pode ser preso exceto em flagrante ou se houver sentença condenatória transitada em julgado —ou seja, quando não couber mais recurso.
O código é de 1941. O artigo que gerou a controvérsia foi modificado em 2011 por uma lei que buscou replicar o seguinte trecho do artigo 5º da Constituição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
A sessão desta quinta será iniciada com a leitura do relatório das ações pelo ministro Marco Aurélio.
Em seguida, serão realizadas as sustentações orais. Falarão a Procuradoria-Geral da República, a AGU (Advocacia-Geral da União), os autores das três ações —o Patriota (ex-PEN), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o PC do B— e os amici curiae (amigos da corte, em latim).
O voto do relator está previsto para uma sessão extraordinária agendada por Toffoli para a manhã da próxima quarta-feira (23). Em seguida, os dez ministros restantes deverão votar. A expectativa é que o julgamento se estenda por três ou quatro sessões.
Membros do STF têm dito que a prisão em segunda instância deveria ser entendida como uma possibilidade, que precisa de decisão fundamentada do juiz para ser adotada.
Porém, alguns tribunais de segunda instância, como o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que analisa os recursos da Lava Jato, têm determinado a prisão indiscriminada de todos os condenados em segundo grau, o que estaria extrapolando o entendimento do STF.
A Câmara tenta fazer avançar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre a prisão em segunda instância, com apoio do governo.
Nesta quarta, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEMRJ), afirmou, porém, que não a pautará antes do julgamento do STF. “Eu não posso colocar matérias que caminhem para um enfrentamento com o STF”, afirmou. Segundo Maia, é preciso primeiro esperar a decisão da corte, avaliar seu alcance para, então, decidir sobre alterar a Constituição.
“Considero um retrocesso se essa jurisprudência for modificada. No Brasil, as decisões demoram muito para se solidificar Luiz Fux ministro do STF