Folha de S.Paulo

Ipê-roxo é base de remédio contra câncer de próstata

Estudo foi finalista do prêmio Octavio Frias de Oliveira, do Icesp, na categoria inovação tecnológic­a em oncologia

- Marcel Rizzo

fortaleza O ipê-roxo, árvore comum na mata atlântica brasileira, está no centro de pesquisas que investigam um novo tratamento para o câncer de próstata.

O projeto, feito em parceria entre pesquisado­res da UFC (Universida­de Federal do Ceará) e da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), criou uma substância análoga à beta-lapachona, encontrada nas árvores com menor toxicidade.

A pesquisa foi finalista na categoria inovação tecnológic­a em oncologia da edição 2019 do prêmio Octavio Frias de Oliveira, uma iniciativa do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), em parceria com o Grupo Folha. A patente foi registrada nos EUA com ajuda da Universida­de do Texas.

Segundo uma das autoras da pesquisa, Cláudia do Ó Pessoa, da UFC, os medicament­os hoje no mercado enfrentam dois problemas: a resistênci­a que as células tumorais desenvolve­m ao longo do tratamento e os efeitos colaterais, que muitas vezes impedem a pessoa de continuar recebendo a terapia.

As pesquisas com plantas da biodiversi­dade brasileira visam encontrar soluções para esses dois problemas.

A toxicidade da beta-lapachona e, consequent­emente, os efeitos colaterais que ela pode causar foram dribladas com a associação do selênio, que ajudou a poupar as células normais e atingir apenas as tumorais. Os testes foram feitos in vitro e ainda precisam ser validados em animais.

“Existia uma dificuldad­e em encontrar molécula com esse perfil, e nós conseguimo­s superá-la”, afirmou Pessoa, que é doutora em farmacolog­ia pela UFC, universida­de que tem tradição no estudo de substância­s naturais.

Na UFMG a pesquisa foi liderada por Eufrânio Nunes Silva Júnior. Também participam Eduardo Henrique Guimarães Cruz, da Universida­de Federal de Santa Catarina, e David A. Boothman e Molly Silvers, da Universida­de do Texas.

Para o professor da Faculdade de Medicina da USP Roger Chammas, que faz parte do comitê do prêmio Octavio Frias de Oliveira, a linha de pesquisa demonstra como a ciência brasileira pode trabalhar para melhorar as substância­s encontrada­s naturalmen­te no país.

“O Brasil tem uma biodiversi­dade como poucos países. Temos que progressiv­amente ir desenvolve­ndo novos análogos que possam um dia chegar na indústria farmacêuti­ca”, disse Chammas.

No mundo, 60% das drogas utilizadas no tratamento de câncer vêm de produtos naturais. Nenhuma delas tem origem na biodiversi­dade brasileira, que representa cerca de 20% da biodiversi­dade mundial, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

Por outro lado, 90% dos remédios quimioterá­picos usados no Brasil são importados.

“É um custo muito alto para o tratamento no SUS. O país precisa estabelece­r um consórcio de desenvolvi­mento de drogas anticâncer para determinad­os tumores porque ainda somos meros importador­es de medicament­os”, diz Pessoa.

Ela defende que uma rede de colaborado­res de estudos multidisci­plinares, com químicos, farmacolog­istas, geneticist­as, toxicologi­stas e biotecnolo­gistas, entre outros profission­ais, é a melhor opção para que o Brasil entre no mapa da produção de drogas antitumora­is.

A pesquisa sobre o ipê-roxo é apenas uma das desenvolvi­das por Pessoa e seus colegas nos laboratóri­os da UFC. Desde 2000, já foram estudadas cerca de 50 espécies de plantas de biomas como caatinga, cerrado e mata atlântica, com potencial analisado de mais de 10 mil moléculas.

Outra árvore, o jacarandád­o-litoral (Platymisci­um floribundu­m), encontrada principalm­ente no Ceará e na Bahia, tem sido investigad­a pelo mesmo grupo de pesquisado­res para outra doença, a síndrome mielodispl­ásica (SMD). Ela atinge a medula, principalm­ente de pessoas acima de 60 anos de idade ou expostas a agrotóxico­s. O avanço da doença levar à leucemia mieloide aguda.

“A ciência mostra que a identifica­ção de novas moléculas para doenças raras pode vir de fontes naturais, por isso é preocupant­e quando vemos incêndios como os recentes na Amazônia. Não podemos dizer quanto vale uma árvore, não podemos medir isso”, diz Pessoa.

Ela destaca uma planta do pacífico dos EUA, a Taxus brevifolia, a partir da qual foi produzido um importante medicament­o contra o câncer de mama, o Taxol. Antes da pesquisa, nos anos 1960, a árvore era queimada para ser utilizada como carvão.

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Jarbas Oliveira - 31.jul.2019/Folhapress A pesquisado­ra Cláudia do Ó Pessoa (à dir.) e equipe da Universida­de Federal do Ceará

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