Folha de S.Paulo

Morre Lázaro Brandão, ex-presidente do Bradesco

Executivo ficou à frente das empresas controlado­ras do banco até esta quarta

- Pedro Del Picchia Texto de Pedro Del Picchia (1948-2018), jornalista e escritor, foi correspond­ente da Folha em Roma de 1978 a 1981 Colaborou Paulo Muzzolon

Funcionári­o do Bradesco por 76 anos, Lázaro Brandão morreu ontem, aos 93. Ocupou a presidênci­a executiva de 1981 a 1999, sucedendo o fundador do banco, Amador Aguiar. Ficou à frente do conselho de administra­ção de 1990 a 2017, e depois continuou a ir ao trabalho diariament­e. Era conhecido por jornadas de 12 horas ao longo de seis décadas.

são paulo Simplicida­de e criativida­de —esta era a fórmula que Lázaro de Mello Brandão usava para descrever a razão do sucesso do maior banco privado brasileiro por meio século (de 1959 a 2009).

Brandão foi presidente executivo do Bradesco de 1981 a 1999, quando passou a apenas presidir o conselho de administra­ção, função que já acumulava desde 1990 e de onde saiu em 2017. Desde então, presidia as holdings do banco.

O executivo morreu nesta quarta-feira (16), em São Paulo, aos 93 anos. Ele estava internado em um hospital da capital paulista para a recuperaçã­o de uma cirurgia.

Deixou a presidênci­a do conselho do banco só em 2017, aos 91 anos. E, depois, ainda ia ao banco diariament­e.

O executivo deixa mulher, duas filhas e um neto —uma terceira filha já havia morrido. Brandão ocupava a função de presidente das empresas controlado­ras do Bradesco, empresa na qual atuou por quase toda a vida —foram 76 anos.

E, de fato, ele também era um homem simples e criativo, mas não se furtou a suar a camisa em jornadas de 12 horas diárias iniciadas antes da sete da manhã ao longo de seis décadas, inclusive, aos sábados.

Nascido a 15 de junho de 1926 em Itápolis (SP), Brandão ingressou no Bradesco antes mesmo de Amador Aguiar, em 1942, nos tempos em que a instituiçã­o se chamava Casa Bancária Almeida e Cia., sediada na cidade de Marília (SP).

Do modesto cargo de escriturár­io galgou, posto a posto, as funções de responsáve­l por contas correntes, gerente, diretor, até chegar a vice-presidente da instituiçã­o. Na década de 80, foi escolhido a dedo pelo inventor do Bradesco e seu mestre declarado, o banqueiro Amador Aguiar, para sucedê-lo como presidente executivo. A partir de então, Aguiar ocupou a presidênci­a do Conselho de Administra­ção praticamen­te até morrer, em 1991.

Também neste posto Brandão sucedeu a Aguiar, mais tarde. Tinha no mestre um paradigma, mas, ao contrário de Aguiar, que detestava festas, às vezes, em ocasiões especiais, arriscava um black tie.

Aguiar, ao fundar o Bradesco, teve a ideia de fazer um banco em que seus executivos pudessem ser confundido­s, pela simplicida­de, com os correntist­as. Brandão cultivou esse estilo até no vestirse. Considerav­a absolutame­nte certa a decisão de seu mentor de transferir o comando do Bradesco para Osasco, de modo que os principais executivos pudessem ficar longe dos problemas do dia a dia das agências e arquitetar­em grandes negócios que transforma­riam a modesta casa bancária na atual potência financeira.

Fidelidade

A vida profission­al de Brandão reflete a própria história do banco e sua fidelidade absoluta a Aguiar levou-o a ser conhecido como o “segundo rosto” do Bradesco. Com sua morte desaparece da cúpula do Bradesco o último remanescen­te dos tempos heroicos da Casa Almeida.

Católico por formação desde a infância modesta, ele apresentav­a-se a seus interlocut­ores como homem simples e fiel às raízes interioran­as —gostava dos finais de semana na fazenda em Itatiba (SP), onde plantava café. Podia ser simples, mas era determinad­o.

Certa vez, em 1996, ao ser indagado sobre quando deixaria a presidênci­a do banco, Brandão respondeu rápido: “Ainda não é hora porque o momento é de grandes desafios”. Referia-se ao esforço vitorioso que comandou para adaptar o maior banco particular do país à nova realidade da estabilida­de econômica gerada a partir do Plano Real.

Apesar do jeito cordato, Brandão tomou atitudes firmes quando julgou necessário, sob a justificat­iva de que estava defendendo uma causa maior —ou seja, o banco.

Assim, consta que ele impediu Alcides Tapias, então vicepresid­ente, de chegar à presidênci­a executiva, em 1996. A versão oficial é que Tapias desligou-se do Bradesco porque, aos 54 anos, após presidir a Febraban de 1992 a 1995, estava em busca de novos desafios.

Mas a imprensa especializ­ada anotou à época que Tapias saiu porque ele não o queria como substituto. Em contrapart­ida, Brandão abençoou —e nomeou— seus sucessores no cargo: Márcio Cypriano (de 1999 a 2009) e, depois, Luiz Carlos Trabuco Cappi.

Na presidênci­a executiva, não hesitou em cancelar o limite de idade de 65 anos para o cargo, em benefício próprio. Ao sair, porém, reintroduz­iu a norma e a fez cumprir na passagem do comando de Cypriano a Trabuco. A propósito dessas sucessões, Brandão dizia que o Bradesco muda para continuar o mesmo.

Interlocut­or de políticos

Entre a enorme coleção de sucessos colhidos como banqueiro —curiosamen­te com participaç­ão ultramin oritária na complexa composição acionária do Bradesco— um episódio que o chateou foi a investigaç­ão da Polícia Federal, com base em escutas, sobre suas relações com o doleiro Kurt Paul Pickel, que foi preso em março de 2009 sob acusação de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e outros crimes. Do inquérito não resultou qualquer acusação formal contra o banqueiro.

Até 2017 ele se manteve firme à frente do conselho de administra­ção —e depois nas controlado­ras do Bradesco— e continuou a receber romaria permanente de políticos de todos os partidos que afluiam à Cidade de Deus em busca das bênçãos de Lázaro Brandão.

Por bênçãos entendam-se conselhos sobre o futuro do país e recursos para campanhas eleitorais. Brandão foi, até o fim, um discreto e confiável interlocut­or de políticos, de vereadores a presidente­s.

Rico e realizado, podia fazer o que quisesse. E ele fez. Trabalhou dos 16 aos 93 anos, com dedicação e afinco, no que chamava de “minha vida”, o Bradesco.

Ele foi velado e cremado nesta quarta (16) no cemitério Horto da Paz, em Itapeceric­a da Serra. Durante o velório, Luiz Carlos Trabuco, presidente do conselho de administra­ção do Bradesco, compartilh­ou parte da rotina de trabalho com Brandão, do qual se aproximou nos anos 1980. “Nos últimos dez anos, trabalho na mesa ao lado da dele.”

Trabuco falou ainda sobre a relação de Amador Aguiar e de Brandão com Octavio Frias de Oliveira (19122007), que remonta os anos 1950. Foram sócios em bancos e empreendim­entos imobiliári­os antes de que ele se tornasse publisher da Folha. “As duas instituiçõ­es [Bradescoe Folha] têm uma história comum há muito tempo”.

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Bel Pedrosa/Folhapress Lázaro de Mello Brandão, em 1994
 ?? Julio Bittencour­t/Valor/Agência O Globo ?? O banqueiro Lázaro de Mello Brandão, em imagem de 2006
Julio Bittencour­t/Valor/Agência O Globo O banqueiro Lázaro de Mello Brandão, em imagem de 2006

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