Folha de S.Paulo

KIM JONG-UN E A MONTANHA SAGRADA

Ditador norte-coreano aparece em fotos cavalgando pelo monte Paektu; agência estatal diz que ele foi ao local para refletir antes de ‘grande operação’

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são paulo e seul | reuters e afp A primeira nevasca da estação na montanha mais alta da Coreia do Norte pode entrar para a história.

Fotos divulgadas nesta quarta (16) pela agência de notícias do governo norte-coreano mostram um às vezes sorridente e às vezes determinad­o Kim Jong-un passeando a cavalo pelo Monte Paektu, na fronteira do país com a China.

Mas as belas imagens —que combinam o branco da neve com o branco do cavalo, ambos em contraste ao elegante sobretudo marrom do ditador— não se destinam a ilustrar um calendário de 2020.

Diz a tradição que Kim visita a montanha de 2.744 m, considerad­a sagrada pelos dois povos coreanos, em momentos políticos importante­s.

No fim de 2017, o ditador lá esteve dias depois de o país lançar o maior míssil balístico interconti­nental da sua história, e semanas antes de fazer um discurso de Ano Novo que abriu as portas para uma aproximaçã­o com a Coreia do Sul.

Nove meses mais tarde, ao fim da visita do líder sul-coreano Moon Jae-in a Pyongyang, ambos se reuniram no topo da montanha com suas esposas para mostrar a boa sintonia dos países após a cúpula.

A agência de notícias estatal não economizou na linguagem superlativ­a no texto que acompanhas as imagens: “Tendo testemunha­do os grandes momentos de sua reflexão no Monte Paektu, todas as autoridade­s que o acompanhar­am ficaram convencida­s, com emoção e alegria transborda­nte, que haverá uma grande operação para maravilhar o mundo novamente e dar um passo adiante na revolução coreana.”

Contudo, o órgão mantém o mistério ao não dar qualquer dica de que anúncio poderia estar a caminho.

Para B.R. Meyers, especialis­ta em propaganda norte-coreana e professor da Universida­de Dongseo, na Coreia do Sul, as imagens carregam valor imperial e falam de um líder protetor da pureza da nação contra as forças estrangeir­as que querem corrompê-la.

Para Joshua Pollock, especialis­ta em Coreia do Norte do Instituto de Estudos Internacio­nais de Middlebury, na Califórnia, o passeio a cavalo simboliza um desafio às sanções internacio­nais que o país sofre em função de seus programas nucleares.

“A busca de alívio das sanções acabou. Nada é tornado explícito aqui, mas começa a criar novas expectativ­as sobre o curso futuro das políticas para 2020”, afirma Pollock.

Antes de selar o cavalo, Kim visitou Samjiyon, no pé da montanha, onde um hub econômico e residencia­l está em construção. Mas não pareceu otimista com o que viu no local, segundo a agência: “A situação em nosso país é difícil devido a sanções incessante­s e pressão de forças hostis.”

Há ainda a tradição familiar, pois o pai e o avô de Kim gostavam de passeios equestres entre picos nevados.

O Monte Paektu, um vulcão ativo, é sagrado para as Coreias. Lá nasceu Dangun, o fundador do primeiro reino coreano há mais de 4.000 anos.

A montanha é mencionada no hino da Coreia do Sul e usada em propaganda­s da ditadura de seu vizinho do norte.

O monte é carregado de história, pois foi cenário de batalhas quando os coreanos lutaram contra os invasores japoneses nas décadas de 1930 e 1940, momento no qual o avô de Kim, Kim II-sung, teve papel de liderança.

A Coreia do Norte sustenta ainda que tanto o avô quanto o pai de Kim nasceram no Monte Paektu, o que demonstra a linhagem sagrada da família do ditador.

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KCNA/Reuters
 ?? KCNA via KNS/AFP ?? Kim Jong-un visita o Monte Paektu, local sagrado que, segundo a tradição, é para onde o ditador da Coreia do Norte vai às vésperas de momentos importante­s
KCNA via KNS/AFP Kim Jong-un visita o Monte Paektu, local sagrado que, segundo a tradição, é para onde o ditador da Coreia do Norte vai às vésperas de momentos importante­s

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