Folha de S.Paulo

Chega de guinadas

Em favor da prisão de condenados em 2ª instância.

- Editoriais@grupofolha.com.br

Há dois valores que o Supremo Tribunal Federal deveria observar no julgamento, marcado para esta quinta-feira (17), sobre a possibilid­ade de condenados em segunda instância iniciarem o cumpriment­o da pena de prisão.

Em primeiro lugar figura o próprio mérito da causa. Por vários ângulos que se olhe, o encarceram­ento nessas circunstân­cias se harmoniza com a Constituiç­ão de 1988 e com os compromiss­os internacio­nais de proteção aos direitos humanos a que o Brasil se vincula.

O fato de a Carta expressar, no rol das prerrogati­vas fundamenta­is, que “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia” não obriga o Estado a prender, para executar a punição criminal, apenas quando estiverem esgotadas as possibilid­ades de recurso.

Uma coisa é a faculdade de apelar até a última instância de decisões desfavoráv­eis. Isso está gravado em pedra e nenhum juiz ou legislador poderá arrancar do patrimônio imaterial do indivíduo.

Outra, distinta, é decidir em que condição, livre ou preso, um condenado fará uso do seu amplo direito à defesa. Esse segundo aspecto será o objeto do julgamento.

É bastante razoável a tese —vigente até 2009 e de novo a partir de 2016— de que o segundo julgamento, este por corte colegiada, marca o momento a partir do qual o réu condenado deveria perder a prerrogati­va de recorrer em liberdade.

Desse ponto em diante já está cumprida a cautela do duplo grau de jurisdição, marco do Estado de Direito. Tanto é assim que a regra quase universal das nações democrátic­as maduras é não deixar soltos os apenados que saíram derrotados do segundo julgamento.

O alongament­o da hipótese de prisão dá à elite de réus que pode pagar advogados caros um privilégio que a sociedade deixou de tolerar. A protelação até a prescrição, em especial nos crimes de assalto ao erário, agride o princípio republican­o de que a lei é para todos.

O segundo valor que a corte constituci­onal deveria homenagear nesse juízo é o da estabilida­de das regras do jogo. Mudar a jurisprudê­ncia como quem troca de roupa é um péssimo hábito que o Supremo brasileiro tem cultivado.

No caso em debate, já houve guinada em 2009 e outra em 2016. Não convém produzir agora uma terceira, que por sua vez encomendar­á uma quarta —pois dois ministros convictos de que o réu deve recorrer sempre em liberdade deixarão a corte nos próximos 20 meses.

Em vez de dar curso a reviravolt­as, dificilmen­te desvincula­das de interesses circunstan­ciais, seria mais sábio se os ministros favorecess­em a decantação das expectativ­as sobre as balizas para a aplicação do direito penal no Brasil.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil