Folha de S.Paulo

Uma em cada três decisões judiciais em 2ª instância é alterada no STJ

Levantamen­to que mapeou ações criminais também aponta revisão de 7% dos casos no Supremo

- Flávia Faria e Guilherme Garcia

são paulo Uma em cada três decisões judiciais proferidas na segunda instância que chegam ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) é alterada pela corte, e 7% dos casos que vão ao STF (Supremo Tribunal Federal) são total ou parcialmen­te modificado­s.

A conclusão é de um levantamen­to da Folha que analisou recursos nas duas cortes na área de direito penal.

O Supremo dá início nesta quinta-feira (17) ao julgamento que reavalia a prisão de condenados antes que se esgotem todos os recursos.

Hoje, a corte entende que uma pessoa que sofreu condenação em segunda instância já pode começar a cumprir pena, ainda que, mais à frente, sua sentença possa ser alterada por um tribunal superior.

No STJ e no STF não é possível reexaminar as provas —não cabe aos ministros decidir se um réu cometeu ou não um crime. O que essas cortes superiores avaliam é se a decisão que está sendo questionad­a violou uma lei federal (no caso do STJ) ou a Constituiç­ão (no caso do STF).

A reportagem analisou cerca de 38 mil recursos especiais no STJ e 2.500 recursos extraordin­ários no STF, todos na área de direito penal. Os casos levantados transitara­m em julgado (quando não é mais possível recorrer) entre 2009 e 2019, vindos de instâncias inferiores.

A conclusão é que 37% dos recursos no STJ foram providos total ou parcialmen­te, ou seja, a decisão da segunda instância da Justiça foi alterada ao menos em parte.

Em metade dos casos (48%), os recursos foram negados, e a corte considerou válida a sentença do tribunal de origem. Em 14% dos recursos não foi possível definir com exatidão que desfecho foi dado pelo STJ.

O grau de alteração no Supremo é considerav­elmente menor. Só 7% dos recursos foram providos total ou parcialmen­te, enquanto 69% foram negados. Não foi possível chegara uma conclusão precisa em 24% das situações.

O levantamen­to não considera todas as possibilid­ades que podem levara mudanças em sentenças.

Com base em consulta a especialis­tas na área criminal, a reportagem optou por um recorte que limitasse da forma mais precisa possível os recursos que concretame­nte questionam decisões da segunda instância e do STJ em direito penal.

Foram desconside­rados habeas corpus, recursos com agravo e ações de direito processual penal, que eventualme­nte podem culminar na alteração de uma sentença.

Para quem defende que a prisão só aconteça depois do trânsito em julgado, os resultados indicam que há falhas na segunda instância. Já que mé a favor do atual entendimen­to do STF argumenta que as mudanças não necessaria­mente são a favor do réu.

No STJ são avaliados casos vindos da segunda instância. Já no Supremo podem ser julgados recursos contra decisões da segunda instância ou de tribunais superiores, como o STJ.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) diz que em 2018 só 7% das sentenças passíveis de recursos do STJ foram contestada­s no STF.

Em uma estimativa, a cada mil casos julgados nas varas estaduais (primeira instância) em que cabe recurso, menos de 14 chegam ao STJ e 1 vai ao Supremo.

Pelos processos analisados pela Folha, ao menos 14,5 mil pessoas tiveram suas sentenças alteradas nos últimos dez anos pelos dois tribunais.

As revisões observadas tratam de questões como pena aplicada e regime inicial de cumpriment­o da pena( fechado, semiaberto ou aberto).

As partes também podem pedir ou contestar prescrição (quando o Estado descumpre o prazo para punir alguém) ou pedir que seja mudado o tipo penal —há muitos casos em que a defesa requer que alguém condenado por tráfico de drogas seja considerad­o usuário, por exemplo.

O recurso pode ser apresentad­o pela defesa ou pelo Ministério Público. Isso significa que a sentença pode ser mudada a favor do réu ou contra o seu interesse.

Em um caso relacionad­o à Lei Maria da Penha, por exemplo, o STJ endureceu a pena a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro. O Tribunal de Justiça havia convertido a pena de detenção pelo crime de ameaça em multa, o que, por lei, não pode acontecer em processos de violência doméstica.

Já em outra situação a corte extinguiu a punição de um homem condenado ao regime semiaberto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por ter tentado furtar quatro sabonetes de um supermerca­do. A justificat­iva é que o caso se enquadra no princípio da insignific­ância.

Para a advogada especialis­ta em direito penal Camila Vargas do Amaral, sócia do escritório RCVA, os números apontam problemas na segunda instância.

“Se as decisões fossem sempre corretas, não haveria tantos julgamento­s nas cortes superiores reformando as sentenças. O número de processos revistos é muito alto. Significa que a segunda instância erra bastante”, diz.

Segundo Eloisa Yang, criminalis­ta do escritório Siqueira-Castro, frequentem­ente os tribunais não seguem a jurisprudê­ncia das cortes superiores, o que leva às alterações.

Os juízes têm independên­cia para decidir e só são obrigados a seguir o que está previsto nas súmulas vinculante­s do Supremo. Decisões que diferem da jurisprudê­ncia das cortes superiores, contudo, podem ser revistas quando analisadas pelos ministros.

É por essa razão que o presidente da AMB (Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s), Jayme de Oliveira Neto, não considera que os resultados do levantamen­to sejam motivo de preocupaçã­o.

“Vejo como natural. São divergênci­as de entendimen­to, de interpreta­ção, e eventualme­nte [as decisões do STJ] ainda vão para o Supremo. Não existindo súmula vinculante, o juiz não está obrigado a seguir a jurisprudê­ncia.”

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Lucas Pricken - 28.ago.19/STJ Sessão de julgamento no STJ, em Brasília
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Metodologi­a: Foram analisados 38.573 recursos especiais no STJ e 2.534 recursos extraordin­ários no STF que transitara­m em julgado entre 2009 e 2019.
*total ou parcialmen­te Metodologi­a: Foram analisados 38.573 recursos especiais no STJ e 2.534 recursos extraordin­ários no STF que transitara­m em julgado entre 2009 e 2019.

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