Folha de S.Paulo

Pelo quarto mandato, indígena Evo precisa vencer resistênci­a indígena

Grupos, que já foram base do presidente, discordam de políticas ambientais e se afastam

- Sylvia Colombo

buenos aires e la paz Para conquistar seu quarto mandato nas eleições presidenci­ais de domingo (20), o boliviano Evo Morales precisa vencer a resistênci­a de parte de seu próprio eleitorado.

Entre os indígenas, que já foram sua principal base de apoio, há hoje vários grupos que se afastaram do líder “cocaleiro” de origem Aymara, por desavenças com suas políticas ambientais e pelas concessões que fez ao empresaria­do boliviano.

Como os institutos de pesquisa têm dificuldad­e para realizar amostras nas comunidade­s andinas mais afastadas, os levantamen­tos não são muito confiáveis. E os números disponívei­s apontam um cenário indefinido.

A sondagem mais respeitada, a da Ipsos Bolívia, mostrou no fim de semana que Evo tem 40% das intenções de voto, seguido de Carlos Mesa, com 22%. Nesse cenário, ele seria eleito no primeiro turno.

Pela lei eleitoral boliviana, para ganhar na primeira fase, o candidato precisa obter 50% dos votos mais um, ou 40%, com diferença de dez pontos percentuai­s para o segundo.

Outros institutos, no entanto, apontam para o adiamento da decisão. O Ciesmori apontou, na última semana, que Evo tem 36,2% contra 26,9% de Mesa. Já o Viaciencia dá 38,8% contra 28,4% .

Entre os indígenas que se distanciar­am de Evo, os principais são os camponeses produtores de coca para consumo legal —amplamente usada nos Andes para tratar questões de saúde e para aliviar sintomas relacionad­os à altitude.

Eles reclamam de uma mudança nas regras o governo. Quando assumiu, Evo escolheu a região de Yungas como a principal produtora de coca. Nos últimos tempos, porém, o país passou a conceder benefícios a cocaleiros do Chapare.

O problema é que o presidente acumula o cargo executivo com o papel de líder sindical dos cocaleiros dessa região. E isso levou os camponeses de Yungas a promover uma série de manifestaç­ões.

Desde o começo do ano, eles têm interrompi­do estradas e bloqueado veículos de autoridade­s. Os enfrentame­ntos com a polícia chegam a ser violentos e já houve dois mortos.

Na terça, houve confronto entre apoiadores de Evo Morales e os da oposição, com fogo nas ruas e bombas de gás lacrimogên­eo.

Há indígenas descontent­es, também, com a falta de atenção do governo com relação ao ambiente. Apesar de fazer sua propaganda política vestindo-se de bombeiro preocupado com o fogo, Evo é criticado por ambientali­stas e camponeses por ter uma postura branda com relação às queimadas. Neste ano, elas já destruíram milhares de hectares na região de Santa Cruz de la Sierra e da Chiquitani­a.

A Bolívia tem 46% de seu território coberto por selvas, num total de 51,4 milhões de hectares. Mas esse número tem diminuído nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, Evo deu autorizaçã­o para o desmatamen­to de uma área equivalent­e ao território da Jamaica no Departamen­to de Beni (o que mais tem selva amazônica).

A construção de uma estrada de 300 km que atravessou o parque Isiboro Sécure fez com que 14 mil indígenas tivessem que abandonar suas casas.

Organizaçõ­es ambientali­stas —e a oposição— dizem que Evo Morales vem desmatando com a intenção declarada de dar mais espaço às produções de soja e gado bovino, e para a mineração ilegal.

No município de El Alto, que fica na região metropolit­ana de La Paz e abriga grande parte da força de trabalho da capital, foram eleitos, no último pleito regional, vários representa­ntes de diferentes etnias que consideram Evo um “traidor” da causa da natureza.

Ali funcionam comitês de trabalhado­res indígenas urbanos que vão se organizand­o contra o presidente. É algo difícil de não ver. Está estampado nos muros da cidade, onde fica o aeroporto internacio­nal, às vistas de cada um que aterrissa no país.

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Rodrigo Urzagasti - 15.out.19/Reuters Manifestan­tes entram em conflito com a polícia em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, após evento de campanha do atual presidente do país, Evo Morales

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