Folha de S.Paulo

O penar de Tite

O técnico da seleção parece deprimido a ponto de querer chutar tudo para o alto

- Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Entre os amantes do futebol, o filósofo franco-argelino Albert Camus (1913-1960) é conhecido por ter escrito que “o que eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem eu devo ao futebol”.

Prêmio Nobel de Literatura em 1957, Camus também escreveu que a única questão filosófica realmente importante é a do suicídio.

E o que tem isso a ver com Tite?

Talvez nada, quem sabe, tudo?

Porque Tite é um cara de princípios, e basta olhar para ele hoje em dia e perceber seu desconfort­o.

Daí, a especulaçã­o.

Quando aceitou o convite da CBF de Marco Polo Del Nero, que meses antes fora objeto de abaixo-assinado pedindo sua renúncia assinado também por Tite, o treinador sabia, e jamais negou, que incorria em penosa incoerênci­a.

Entre o sonho natural de atingir o topo nacional em seu ofício e a consciênci­a, mandou a segunda às favas.

Afinal, deve ter ponderado, Del Nero era mais do mesmo para quem convivia com Andrés Sanchez, porque assim é o futebol brasileiro, com a diferença de que não assinara nada contra o cartola corintiano, ao contrário, era naturalmen­te grato a ele por tê-lo mantido depois da eliminação, na pré-Libertador­es, pelo modesto Tolima.

Não precisava confratern­izar a ponto de se permitir beijar pelo novo patrão, mas deve ter pensado que certas coisas não se fazem pela metade e jogou-se de corpo inteiro na ambição de desfrutar da glória de ser campeão mundial, também pela seleção brasileira, seis anos depois da conquista do Mundial de Clubes.

Unanimidad­e nacional que era ao assumir o posto na CBF, reforçou a popularida­de ao comandar campanha impecável nas eliminatór­ias, quando virou o maior garoto-propaganda do país.

O eventual desgaste de sua imagem, embora garantisse sua independên­cia financeira, seria compensado pelo hexacampeo­nato.

Teve uma Bélgica pelo caminho e tudo se evaporou. No mínimo, até 2022.

De lá para cá, ao menos livre do cartola que um dia quis ver pelas costas, embora obrigado a pagar o preço dos contratos banalizado­res do time da CBF, a queda tornou-se vertiginos­a.

Não apenas os resultados minguaram —a Copa América era mera obrigação—, o desempenho despencou.

Neymar, de solução, passou a ser problema e mal administra­do.

Então, Tite, mesmo que inconscien­temente, parece ter entrado em depressão e a meter os pés pelas mãos, como se quisesse encerrar sua trajetória como comandante do time canarinho.

Para justa ira dos torcedores, desfalca times nacionais, os obriga a viagens insanas para deixá-los no banco ou usálos por poucos minutos.

Para que tirar o goleiro Santos do Athletico-PR ou o artilheiro Gabigol de um jogo tão importante e que, para mal de seus pecados, ainda é resolvido por falha grotesca do arqueiro reserva, Léo, do time paranaense?

Não há discurso capaz de convencer os torcedores sobre a prioridade da seleção.

Nem mesmo se Santos tivesse jogado e fechado o gol.

Ou caso Gabigol tivesse feito todos os gols de vitórias contra Senegal e Nigéria.

Estará Tite se suicidando sem perceber?

A consciênci­a pesou e se sobrepôs ao pragmatism­o?

Só ele, em profunda reflexão, será capaz de responder e para si mesmo porque, nestas alturas do campeonato, pouco importa o que pensam os outros.

Os amantes do futebol estão apaixonado­s pelo Flamengo e pouco se lixando para a seleção. E Tite está macambúzio. Com todo respeito.

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