Folha de S.Paulo

‘Grana já conquistei, mas agora é pela arte’, diz Djonga

- Amanda Cavalcanti

são paulo Na participaç­ão especial do rapper mineiro Djonga na peça “Madame Satã”, no teatro Jaraguá, em São Paulo, no início de setembro, é possível que boa parte do público tenha ido apenas para vê-lo.

Enquanto os espectador­es entravam no teatro, os personagen­s ficavam espalhados pela plateia. Ao ver Djonga na última fileira, um fã anunciou que sentaria ao seu lado e foi vetado pelo rapper, que se levantou. No fim da peça, vários gritos de “Gustavo”, primeiro nome do artista, podiam ser ouvidos por entre os aplausos.

“É muito complexo, porque as pessoas sempre vão me olhar como o Djonga e eu sempre vou me sentir assim, mas é preciso trabalhar essa disciplina”, diz o artista sobre o trabalho no teatro. “Mas Djonga também é um personagem, assim como meu Madame Satã.”

Nos últimos três anos da carreira de Gustavo, é possível acompanhar a construção do personagem Djonga por meio dos álbuns “Heresia” (2017), “O Menino que Queria Ser Deus” (2018) e “Ladrão” (2019).

Se no primeiro disco ele bradava as dificuldad­es que vivia na capital mineira e a luta para conquistar espaço na cena do rap, no segundo, um Djonga mais maduro relatava o sufoco com a recém-adquirida fama.

Em “Ladrão”, ele fechou a trilogia com a reflexão de que o melhor a se fazer com a fama e o dinheiro é levá-los de volta à sua origem, como uma espécie de Robin Hood. Não à toa, os álbuns são recheados de participaç­ões da terra natal de Djonga que decolaram nos anos seguintes: FBC, Sidoka, Hot, MC Kaio, Chris MC.

“Sinto que eu fiz meu melhor [nesses discos], mas que ainda tenho muito mais pra caminhar. Tanto de discurso, quanto de estética, quanto de número”, afirma. “A grana eu já conquistei. Agora é pela arte.”

No último ano do ensino médio, em 2011, Gustavo Pereira Marques roteirizou e dirigiu uma peça para uma feira cultural. Esse tinha sido seu primeiro e último contato com teatro até abril de 2019, quando, num encontro com a atriz e diretora Bia Nogueira, ele pediu para participar da peça “Madame Satã”. Na época, ele não pensava em ser rapper. “[Mas] eu sempre soube que seria artista de alguma forma.”

Após o ensino médio, Djonga, hoje aos 25, passou a frequentar saraus até se interessar o bastante por poesia para compor sua primeira música, “Corpo Fechado”. Em 2016, formou o grupo DV Tribo com os rappers FBC, Clara Lima, Oreia e o produtor Coyote Beats. Depois que deixou o grupo, se concentrou no trabalho solo .

Um ponto comum nos trabalhos de Djonga é a preocupaçã­o com temas sociais que vão além da política institucio­nal. Manifestos contra a homofobia e contra o machismo já apareceram nas letras do rapper. Em um show recente, Djonga falou que era preciso impedir a reeleição de Jair Bolsonaro e chamou dois índios pataxó ao palco.

“Só estou tentando dar voz para as coisas em que acredito. Muitas vezes, as pessoas estão mais preocupada­s com a narrativa em torno das coisas do que com os fatos e em como resolvê-los”, afirma o rapper.

A trajetória rendeu a Djonga um lugar no pódio das poucas grandes figuras do rap nacional fora do eixo Rio-São Paulo. Também o levou a colaborar com nomes como Mano Brown e Emicida. Mesmo sendo um fã desses nomes, ele diz que não há nada surpreende­nte sobre o lugar onde chegou.

“Eu trabalhei demais pra estar nesse patamar. Não tem surpresa, é só felicidade. Surpresa é pra quem não se sente digno. Eu me sinto digno.”

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Karime Xavier/Folhapress O rapper mineiro Djonga, no teatro onde encenou ‘Madame Satã’

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