Folha de S.Paulo

Só falta combinar com ela

Encontros com a natureza são recompensa­dores, mas cheios de incertezas

- Zeca Camargo Jornalista e apresentad­or, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”

Tudo pronto para a expedição que vai procurar orangotang­os no seu habitat em Bornéu, uma ilha na Ásia. Porque é isso que a gente vem fazer aqui: ver os animais interagind­o com a natureza, como se nós, humanos, nunca tivéssemos chegado para atrapalhar.

Acordo cedo, pois, como qualquer viajante que rodou o mundo em busca de safáris sabe bem, essa é a melhor hora para ver os bichos, quando eles estão acordando —e com fome, logo, predispost­os a sair pela floresta atrás de comida.

Quando digo cedo, falo em 5h da manhã, um horário punitivo para quem está de férias. Mas é a natureza que está chamando, então a gente vai!

Mesmo para alguém que prefere os passeios urbanos (meu caso!), esse chamado é irresistív­el. Mais de uma vez descrevi aqui minha paixão pelas cidades. O ritmo frenético delas, o cosmopolit­ismo, suas infinitas opções de programaçã­o cultural, o choque entre caos e ordem das suas ruas.

Nas grandes cidades (Paris, Tóquio, Bancoc, Buenos Aires, Miami) ou mesmo nas nem tão grandes assim (Barcelona, Florença, Santiago, Joanesburg­o), é possível sempre se programar para sair com um roteiro pronto. Você sabe que vai em tal museu, já reservou uma mesa num restaurant­e, sabe o horário de abertura das lojas onde quer comprar lembranças.

E parte do meu encantamen­to é justamente isso, saber que você vai sair do hotel e que as experiênci­as vão acontecer.

Boas ou ruins, saberemos depois de vivê-las. Pode ser que “o chef do momento” em Lisboa não seja tudo aquilo que falam. Ou que a exposição de um artista que você sonhava em ver estava tão cheia que nem deu para aproveitar.

Mas, pelo menos, as coisas acontecem, a expectativ­a de que um programa se cumpra será certamente preenchida —e você sabe que você vai voltar para casa com boas histórias para contar. E várias selfies!

Porém, quando o que você quer fazer envolve a natureza...

Nada é certo quando você depende, por exemplo, de condições meteorológ­icas. Ou da boa vontade de animais selvagens. Já colecionei decepções nos dois casos, e mesmo boas surpresas. Como quando quis ver a aurora boreal.

Já descrevi aqui como, por pouco, não voltei dessa aventura de mãos vazias. Vi, é verdade, o mais belo dos espetáculo­s no céu gelado de Alta, na Noruega. Mas foi porque, por acaso, chegando exausto de um longo voo cheio de conexões, me animei com o convite do guia para sair logo que entrei no hotel, sem abrir a mala. Minhas excursões estavam reservadas para os três dias seguintes a minha chegada e

Infelizmen­te, elas não me mostraram muita coisa ou, ainda, quase nada comparado ao Cirque du Soleil celestial que conferi na primeira noite, por acaso. Não fosse por isso, teria voltado decepciona­do.

Com bichos, a história é mais complicada. Narrei aqui também minhas férias em Madagascar, onde fui para ver os lêmures, endêmicos da deslumbran­te ilha africana. Coisa que, de fato, consegui, mas não sem enfrentar horas de espera nas florestas úmidas, olhando fixamente as copas das árvores à espera de um movimento.

E na Namíbia, então? Quem disse que os bichos estavam lá quando a gente chegou para visitá-los?

As zebras, claro, logo apareciam para uma pose. Assim como as tímidas girafas. Algumas leoas, recém-saídas do café da manhã que tinham acabado de trucidar para seus filhotes, chegaram a cruzar nosso caminho. Mas os leões? Só vimos dois ou três.

Elefantes? Um só. A uns dois quilômetro­s. Brinco com isso, mas não quero dizer que esses momentos não tenham sido especiais. Esses encontros com a natureza são extremamen­te recompensa­dores. Desde que, claro, ela colabore.

Por isso, aqui estou, aguardando o barco que vai me levar pelo coração de Sabah, região ao norte de Bornéu.

E os orangotang­os vão estar lá me esperando... ou não! Torçam por mim.

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Maíra Mendes | QUI. Zeca Camargo, Josimar Melo

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