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Palma de Ouro em Cannes, ‘Parasita’ escapa do conflito maniqueísta entre ricos e pobres
“Parasita”, vencedor deste ano da Palma de Ouro no Festival de Cannes, é, à primeira vista, um filme sobre luta de classes. Sua abordagem das sombras anunciadas pelo atual estágio do desmantelamento social prolonga e amplifica os dramas retratados por “Assunto de Família”, do japonês Hirokazu Kore-eda, e por “Eu, Daniel Blake”, do britânico Ken Loach, que conquistaram o prêmio máximo de Cannes em 2018 e 2016.
O sul-coreano Bong Joon-ho retorna a seu país, depois de duas experiências internacionais, e retoma seu objeto favorito, a família, para indagar como sobreviveremos a um tempo cada vez mais selvagem.
“Parasita” não oferece uma dramatização esquemática da luta de classes, uma representação apoiada no conflito maniqueísta entre ricos e pobres. Em vez de caricaturar oposições, Bong constrói a história em torno de simetrias, em torno da equivalência de cada um dos integrantes das famílias e das relações espaciais. Desse modo, ele ultrapassa a limitação dos filmes que só trazem discursos e alcança um cinema no qual a política está na estética, no xadrez dos personagens, nos movimentos de câmera, na ênfase dos contrastes a partir da arquitetura e da cidade.
Embaixo, mãe, pai, filho e filha sobrevivem de improvisos. São representantes do “precariado” tão contemporâneo, mas não têm o perfil de quem nasceu na miséria. Parecem mais emergentes numa sociedade de pernas para o ar. Em cima, outra família com a mesma composição vive em uma bolha de conforto, seus filhos são ultramimados e ninguém se importa com o que há além do jardim.
A primeira parte do longa apresenta, de modo deliciosamente venenoso, a ocupação do andar de cima pelo grupo que vem de baixo. Não há, porém, indícios de alguma intenção perversa ou revolucionária que possa resultar da proximidade. Aos poucos, o parasitismo enunciado no título ganha pleno sentido, mostrando como a relação dos dois grupos é feita tanto de exploração como de dependência. A revolução, porém, não demora. Quando ela acontece, —zás!— “Parasita” dá uma cambalhota que nos deixa estatelados. Veja salas e horários na pág. 50