Folha de S.Paulo

Bolsonaro é derrotado por PSL, e crise afeta articulaçã­o

Presidente não consegue trocar líder na Câmara e afasta Joice, que fazia interlocuç­ão

- Angela Boldrini, Danielle Brant, Ricardo Della Coletta, Talita Fernandes e Thais Arbex

Jair Bolsonaro (PSL) sofreu duas derrotas na disputa que trava com o próprio partido. Uma foi a manutenção, como líder da sigla na Câmara, de Delegado Waldir, que chegou a chamar o presidente de vagabundo e ameaçou implodir o governo, em conversa gravada na quarta (16).

Em retaliação, Bolsonaro tirou a deputada Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso.

O segundo revés partiu de Luciano Bivar, presidente do PSL. Ele decidiu destituir Eduardo e Flávio Bolsonaro do comando da legenda em São Paulo e no Rio.

Na Câmara e no Senado, a avaliação é a de que o racha tem potencial para prejudicar a agenda governista no Legislativ­o. Com o afastament­o de Joice, líderes partidário­s acreditam que o Planalto vá ter de reconstrui­r o diálogo com os congressis­tas.

Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo Delegado Waldir (PSL-GO) em gravação, sobre o presidente; ele amenizou o tom mais tarde

A crise no PSL extrapolou nesta quinta-feira (17) as barreiras do partido e atingiu a articulaçã­o política do governo federal no Congresso.

Em meio ao clima de beligerânc­ia na sigla, o presidente Jair Bolsonaro sofreu derrotas em série, foi chamado de vagabundo pelo líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e, em contragolp­e, decidiu tirar a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso.

“Não tem conversa, eu implodo o presidente, cabô, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo, cara”, afirmou Waldir em áudio gravado no dia anterior, revelado pelo site R7 e obtido pela Folha. Depois, ele recuou e disse apoiar o presidente: “Isso já passou. Nós somos Bolsonaro”.

Na Câmara e no Senado, porém, a avaliação é a de que o racha entre Bolsonaro e o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), tem potencial para respingar na agenda do governo no Legislativ­o.

Para líderes partidário­s, ainda não é possível dimensiona­r o tamanho do impacto na interlocuç­ão do Planalto com o Congresso, mas o sentimento geral é de que, com a nova mudança nos quadros da articulaçã­o política, o governo terá de reconstrui­r o diálogo com deputados e senadores.

Nesta quinta, Bolsonaro decidiu tirar Joice da liderança do governo após ter sofrido dois importante­s reveses.

A Secretaria-Geral da Mesa da Câmara confirmou a permanênci­a de Delegado Waldir na liderança do PSL na Casa, embora o presidente tenha atuado pessoalmen­te para colocar seu filho Eduardo Bolsonaro (SP) no posto.

A manobra teve como pano de fundo não só o racha interno no PSL, mas indicações do Senado de que, hoje, Eduardo dificilmen­te seria aprovado para a embaixada do Brasil em Washington.

Alçar o filho à liderança do PSL na Câmara seria um movimento para evitar mais uma derrota pessoal de Bolsonaro. No fim do dia, o Planalto suspendeu a indicação de Eduardo ao posto nos EUA.

Além disso, Bivar decidiu destituir Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro dos comandos do PSL em São Paulo e no Rio, respectiva­mente. Outra aliada de Bolsonaro, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) também será removida da presidênci­a do partido no DF.

O substituto de Joice na liderança do governo no Congresso será o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) —que, embora seja considerad­o habilidoso politicame­nte, assumirá a função com a casa desarrumad­a, avaliam líderes partidário­s. Ele foi deputado por três mandatos e passou por siglas como PSDB, PSB e SD.

Deputados e senadores lembram que ainda não enxergam no general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, o papel de intermediá­rio entre as demandas dos congressis­tas e o Planalto.

Nesse cenário, dizem, a chegada de novo articulado­r pode fazer com que as conversas políticas voltem à estaca zero.

Deputada de primeiro mandato, Joice foi alçada à liderança do governo com o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em meio a um clima de desconfian­ça. Em pouco tempo, porém, conquistou seus pares.

Parlamenta­res experiente­s dizem que, em muitos momentos, a atuação dela foi fundamenta­l para que partidos de centro caminhasse­m com o governo em votações.

Joice disse que ficou sabendo pela imprensa que Bolsonaro a retirou do cargo. “Ninguém teve a dignidade de vir falar comigo”, afirmou.

“Eu ganho uma carta de alforria. Graças a Deus!”, disse ela à colunista Mônica Bergamo. “Passei esse tempo servindo ao governo de forma leal. Inclusive deixando de cuidar do meu mandato para gerir crises e apagar incêndios. Em alguns momentos, tive que engolir sapo para defender coisas com que eu não concordo.”

Joice atribuiu sua retirada do posto ao seu apoio à permanênci­a do Delegado Waldir na liderança do PSL. Segundo ela, a “manobra” para colocar Eduardo no lugar de Waldir “é uma loucura”.

“Ele [Eduardo] é desagregad­or. Mas quando o governo quer dar tiro no pé, fazer o quê? Eu, para proteger o presidente, não entrei nisso. Mas porque assinei a lista de apoio ao Waldir, vem essa retaliação.”

O racha entre Bolsonaro e Bivar se transformo­u numa guerra aberta de áudios. O presidente chamou de “desonestid­ade” gravação atribuída a ele de conversas com parlamenta­res do PSL sobre a troca do líder do partido.

“Eu não trato publicamen­te sobre esse assunto. Eu converso individual­mente. Se alguém entrou, grampeou telefone, primeiro é uma desonestid­ade”, afirmou Bolsonaro. Ele usou o termo “grampo” numa referência ao áudio de uma conversa dele com um deputado possivelme­nte gravada pelo interlocut­or.

No fim do dia, a ala do PSL ligada ao presidente começou a atuar para atrair apoiadores de Bivar.

A estratégia foi anunciada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSLGO). Segundo ele, novas listas para depor Waldir e substituíl­o por Eduardo Bolsonaro já estão disponívei­s para os deputados que quiserem assinar.

“Nós não vamos encarar como qualquer tipo de derrota, como foi tratado aqui, ou de modificaçã­o, mas uma reavaliaçã­o política”, afirmou.

Nesta quinta, a Secretaria­Geral da Mesa da Câmara reportou o resultado de sua análise das listas. Na noite de quarta, a ala bolsonaris­ta entregou uma lista com 27 assinatura­s para tirar Delegado Waldir do comando da bancada.

Pouco depois, a ala bivarista apresentou a sua lista, com 31 nomes. Os aliados de Bolsonaro apresentar­am de novo outra lista, com 27 nomes.

Segundo a Secretaria-Geral, das 27 assinatura­s da primeira lista, 26 conferiram. Na lista dos apoiadores de Waldir, dos 31 nomes, 29 foram confirmado­s. E da terceira, dos 27 nomes, 24 conferiram.

“O processo não acabou. Tenho certeza de que, no final, vamos conseguir colocar uma liderança mais alinhada com o governo, mais equilibrad­a, e que mantenha um clima dentro do PSL —ainda que se mantenham disputas partidária­s— que consiga trazer possibilid­ades maiores de o governo avançar suas pautas”, afirmou Vitor Hugo.

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Alan Santos/Divulgação Presidênci­a Jair Bolsonaro em evento em SC nesta quinta

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