Bolsonaro é derrotado por PSL, e crise afeta articulação
Presidente não consegue trocar líder na Câmara e afasta Joice, que fazia interlocução
Jair Bolsonaro (PSL) sofreu duas derrotas na disputa que trava com o próprio partido. Uma foi a manutenção, como líder da sigla na Câmara, de Delegado Waldir, que chegou a chamar o presidente de vagabundo e ameaçou implodir o governo, em conversa gravada na quarta (16).
Em retaliação, Bolsonaro tirou a deputada Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso.
O segundo revés partiu de Luciano Bivar, presidente do PSL. Ele decidiu destituir Eduardo e Flávio Bolsonaro do comando da legenda em São Paulo e no Rio.
Na Câmara e no Senado, a avaliação é a de que o racha tem potencial para prejudicar a agenda governista no Legislativo. Com o afastamento de Joice, líderes partidários acreditam que o Planalto vá ter de reconstruir o diálogo com os congressistas.
Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo Delegado Waldir (PSL-GO) em gravação, sobre o presidente; ele amenizou o tom mais tarde
A crise no PSL extrapolou nesta quinta-feira (17) as barreiras do partido e atingiu a articulação política do governo federal no Congresso.
Em meio ao clima de beligerância na sigla, o presidente Jair Bolsonaro sofreu derrotas em série, foi chamado de vagabundo pelo líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e, em contragolpe, decidiu tirar a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso.
“Não tem conversa, eu implodo o presidente, cabô, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo, cara”, afirmou Waldir em áudio gravado no dia anterior, revelado pelo site R7 e obtido pela Folha. Depois, ele recuou e disse apoiar o presidente: “Isso já passou. Nós somos Bolsonaro”.
Na Câmara e no Senado, porém, a avaliação é a de que o racha entre Bolsonaro e o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), tem potencial para respingar na agenda do governo no Legislativo.
Para líderes partidários, ainda não é possível dimensionar o tamanho do impacto na interlocução do Planalto com o Congresso, mas o sentimento geral é de que, com a nova mudança nos quadros da articulação política, o governo terá de reconstruir o diálogo com deputados e senadores.
Nesta quinta, Bolsonaro decidiu tirar Joice da liderança do governo após ter sofrido dois importantes reveses.
A Secretaria-Geral da Mesa da Câmara confirmou a permanência de Delegado Waldir na liderança do PSL na Casa, embora o presidente tenha atuado pessoalmente para colocar seu filho Eduardo Bolsonaro (SP) no posto.
A manobra teve como pano de fundo não só o racha interno no PSL, mas indicações do Senado de que, hoje, Eduardo dificilmente seria aprovado para a embaixada do Brasil em Washington.
Alçar o filho à liderança do PSL na Câmara seria um movimento para evitar mais uma derrota pessoal de Bolsonaro. No fim do dia, o Planalto suspendeu a indicação de Eduardo ao posto nos EUA.
Além disso, Bivar decidiu destituir Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro dos comandos do PSL em São Paulo e no Rio, respectivamente. Outra aliada de Bolsonaro, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) também será removida da presidência do partido no DF.
O substituto de Joice na liderança do governo no Congresso será o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) —que, embora seja considerado habilidoso politicamente, assumirá a função com a casa desarrumada, avaliam líderes partidários. Ele foi deputado por três mandatos e passou por siglas como PSDB, PSB e SD.
Deputados e senadores lembram que ainda não enxergam no general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, o papel de intermediário entre as demandas dos congressistas e o Planalto.
Nesse cenário, dizem, a chegada de novo articulador pode fazer com que as conversas políticas voltem à estaca zero.
Deputada de primeiro mandato, Joice foi alçada à liderança do governo com o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em meio a um clima de desconfiança. Em pouco tempo, porém, conquistou seus pares.
Parlamentares experientes dizem que, em muitos momentos, a atuação dela foi fundamental para que partidos de centro caminhassem com o governo em votações.
Joice disse que ficou sabendo pela imprensa que Bolsonaro a retirou do cargo. “Ninguém teve a dignidade de vir falar comigo”, afirmou.
“Eu ganho uma carta de alforria. Graças a Deus!”, disse ela à colunista Mônica Bergamo. “Passei esse tempo servindo ao governo de forma leal. Inclusive deixando de cuidar do meu mandato para gerir crises e apagar incêndios. Em alguns momentos, tive que engolir sapo para defender coisas com que eu não concordo.”
Joice atribuiu sua retirada do posto ao seu apoio à permanência do Delegado Waldir na liderança do PSL. Segundo ela, a “manobra” para colocar Eduardo no lugar de Waldir “é uma loucura”.
“Ele [Eduardo] é desagregador. Mas quando o governo quer dar tiro no pé, fazer o quê? Eu, para proteger o presidente, não entrei nisso. Mas porque assinei a lista de apoio ao Waldir, vem essa retaliação.”
O racha entre Bolsonaro e Bivar se transformou numa guerra aberta de áudios. O presidente chamou de “desonestidade” gravação atribuída a ele de conversas com parlamentares do PSL sobre a troca do líder do partido.
“Eu não trato publicamente sobre esse assunto. Eu converso individualmente. Se alguém entrou, grampeou telefone, primeiro é uma desonestidade”, afirmou Bolsonaro. Ele usou o termo “grampo” numa referência ao áudio de uma conversa dele com um deputado possivelmente gravada pelo interlocutor.
No fim do dia, a ala do PSL ligada ao presidente começou a atuar para atrair apoiadores de Bivar.
A estratégia foi anunciada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSLGO). Segundo ele, novas listas para depor Waldir e substituílo por Eduardo Bolsonaro já estão disponíveis para os deputados que quiserem assinar.
“Nós não vamos encarar como qualquer tipo de derrota, como foi tratado aqui, ou de modificação, mas uma reavaliação política”, afirmou.
Nesta quinta, a SecretariaGeral da Mesa da Câmara reportou o resultado de sua análise das listas. Na noite de quarta, a ala bolsonarista entregou uma lista com 27 assinaturas para tirar Delegado Waldir do comando da bancada.
Pouco depois, a ala bivarista apresentou a sua lista, com 31 nomes. Os aliados de Bolsonaro apresentaram de novo outra lista, com 27 nomes.
Segundo a Secretaria-Geral, das 27 assinaturas da primeira lista, 26 conferiram. Na lista dos apoiadores de Waldir, dos 31 nomes, 29 foram confirmados. E da terceira, dos 27 nomes, 24 conferiram.
“O processo não acabou. Tenho certeza de que, no final, vamos conseguir colocar uma liderança mais alinhada com o governo, mais equilibrada, e que mantenha um clima dentro do PSL —ainda que se mantenham disputas partidárias— que consiga trazer possibilidades maiores de o governo avançar suas pautas”, afirmou Vitor Hugo.