Folha de S.Paulo

Toffoli defende julgamento sobre segunda instância

Sessão teve falas de Toffoli, Marco Aurélio e advogados; análise continua na próxima quarta (23)

- Reynaldo Turollo Jr.

O julgamento sobre a constituci­onalidade da prisão de condenados em segunda instância começou nesta quinta (17) com uma tentativa do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de dissociar o debate do caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O STF iniciou a análise de três ações que discutem, de forma abstrata, se é constituci­onal prender um condenado em segundo grau antes de esgotados todos os recursos nos tribunais superiores. O julgamento continua na próxima quarta-feira (23).

“As ações definirão o alcance dessa norma constituci­onal [da presunção da inocência]. O entendimen­to que daqui emanará servirá de norte para a atuação de todos os magistrado­s do país e todo o sistema de Justiça. Que fique bem claro que este julgamento não se refere a nenhuma situação particular”, disse Toffoli, ao abrir a sessão plenária.

“A defesa da Constituiç­ão é o que tem norteado a atuação republican­a deste Supremo Tribunal Federal ao longo de sua história, e hoje e nas próximas sessões não será diferente”, afirmou, rebatendo indiretame­nte as críticas que a corte tem sofrido por ter resolvido julgar as ações.

Em 2016, o STF alterou sua jurisprudê­ncia, que vinha desde 2009, e voltou a autorizar a execução da pena antes de esgotados todos os recursos.

Uma mudança nesse entendimen­to teria, hoje, o potencial de beneficiar Lula, o mais célebre condenado da Lava Jato, e 4.895 réus que tiveram a prisão decretada após condenação em segundo grau.

Nos últimos dez anos, o plenário do Supremo enfrentou esse tema ao menos cinco vezes, na maioria delas ao analisar casos concretos de condenados. Agora, está sendo julgado o mérito de ações que tratam do assunto de forma geral, o que deve levar a uma resposta definitiva do tribunal.

O Supremo está dividido: há ministros que defendem a prisão em segunda instância e que entendem que é preciso esperar o trânsito em julgado.

No meio, há uma proposta feita ainda em 2016 por Toffoli para autorizar a execução da pena após o julgamento do recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que é considerad­o uma terceira instância.

O relator das ações, Marco Aurélio, foi o primeiro a falar nesta quinta. Durante a leitura do relatório, ele lembrou que elas estavam prontas para serem julgadas desde 2017.

Diante da demora para serem incluídas na pauta, disse o ministro, ele decidiu liminarmen­te (provisoria­mente), em dezembro de 2018, soltar todos os réus que cumpriam pena antes do trânsito em julgado de seus processos.

A decisão foi derrubada no mesmo dia por Toffoli. Marco Aurélio criticou a atuação do colega no episódio.

“É inconcebív­el visão totalitári­a e autoritári­a no Supremo. O presidente é coordenado­r, não superior hierárquic­o dos pares. Tempos estranhos em que é verificada até mesmo a autofagia”, disse.

Ao final da sessão, Toffoli elogiou o relatório de Marco Aurélio e, demonstran­do estar emocionado, disse que os apontament­os feitos aumentaram a admiração pelo colega —com quem vinha tendo atritos dentro e fora das sessões.

Representa­ntes do partido Patriota, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do PC do B, autores das ações, fizeram suas manifestaç­ões na tribuna do STF. Em seguida, dez amici curiae (amigos da corte, em latim) falaram.

Na próxima quarta serão ouvidos outros dois amici curiae, a Procurador­ia-Geral da República e a AGU AdvocaciaG­eral da União. A votação propriamen­te dita começará em seguida, com o voto de Marco Aurélio. A expectativ­a é que o julgamento ainda demore mais três ou quatro sessões.

A PGR enviou nova manifestaç­ão reafirmand­o considerar que a prisão em segunda instância é constituci­onal. O documento, assinado pelo procurador-geral interino, José Bonifácio de Andrada, pede ao tribunal que mantenha a jurisprudê­ncia atual ou, ao menos, que permita a execução da pena após o julgamento do recurso no STJ.

O procurador-geral, Augusto Aras, está na Itália, onde participou da cerimônia de canonizaçã­o de Irmã Dulce, e volta ao Brasil nesta sexta (18).

Com exceção do Patriota — que no passado contestou no STF a prisão em segunda instância e mudou de lado—, todos os que fizeram sustentaçã­o oral nesta quinta defenderam que é preciso esperar o trânsito em julgado para executar a pena de condenados.

Foram recorrente­s críticas à Lava Jato e à imprensa, afirmações de que a prisão em segunda instância prejudica não só políticos e ricos, mas principalm­ente réus mais pobres, e apelos para que o STF não escute a suposta opinião pública.

“Por mais paradoxal que isso pareça, fazer a coisa certa não é atender à voz das ruas. O artigo 283 espelha a Constituiç­ão. Seria a Constituiç­ão inconstitu­cional?”, disse Lênio Streck, que represento­u a Associação Brasileira dos Advogados Criminalis­tas.

O jurista se referiu ao artigo 283 do Código de Processo Penal, que está no centro do debate. Ele diz que ninguém pode ser preso exceto em flagrante ou se houver sentença condenatór­ia transitada em julgado —ou seja, quando não couber mais recurso.

O CPP é de 1941. O artigo 283 foi modificado em 2011 por uma lei que buscou replicar trecho do artigo 5º da Constituiç­ão, segundo o qual “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia”.

“Podemos discordar da Constituiç­ão, dizer que ela é retrógrada, atrasada, mas é o que a Constituiç­ão diz”, afirmou José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça (PT), que falou pelo PC do B.

“Haverá furtadores de chinelos e bolachas se ‘profission­alizando’ nas prisões”, disse o defensor público-geral federal, Gabriel Faria Oliveira, representa­nte da Defensoria Pública da União, criticando a prisão em segunda instância.

“A relativiza­ção no processo penal vai permitir a relativiza­ção de outros direitos fundamenta­is. É uma porta que se abre”, afirmou o defensor público do Rio Pedro Carriello.

A advogada Silvia Souza, da ONG Conectas, disse que a discussão não deve se pautar só pelos crimes de colarinho branco, pois eles não são a maioria. “Os corpos negros estão nas valas, nas prisões, em condições subumanas”, declarou, observando ser a única mulher e a única pessoa negra a sustentar no plenário do Supremo nesta quinta.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro disse que o debate público sobre o tema foi desvirtuad­o pela Lava Jato. “Em setembro de 2016 [quando uma ação chegou ao Supremo] o Lula não era sequer investigad­o. Houve clara manipulaçã­o. Dizer que isso é contra a Lava Jato? A estrutura de marketing da Lava Jato é muito melhor que a jurídica.”

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Pedro Ladeira/Folhapress Os advogados José Eduardo Cardozo, Miguel Pereira Neto, Silvia Souza, Lênio Streck, Antônio Carlos de Almeida Castro e Juliano Breda no STF

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