Folha de S.Paulo

EUA pedem e Turquia concorda com 5 dias de cessar-fogo na Síria

Ofensivas militares no nordeste do país serão suspensas para que curdos possam deixar a região

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Depois de oito dias de ataques, a Turquia se compromete­u a suspender temporaria­mente a ofensiva no nordeste da Síria para permitir a retirada das forças curdas que estão na região.

Pelo acordo, nas próximas 120 horas, não haverá ação militar na fronteira. Durante esse período, a milícia curda YPG (Unidades de Defesa Popular) deve sair de uma área chamada “zona de segurança”.

A decisão foi anunciada pelo vice-presidente dos EUA, Mike Pence, enviado por Donald Trump a Ancara nesta quinta (17) para tentar convencer o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, a aceitar um cessar-fogo. Mevlut Cavusoglu, ministro das Relações Exteriores da Turquia, chamou o combinado de “pausa” —indicando que não há garantias sobre o fim da operação.

Os representa­ntes curdos confirmara­m o trato, e Mazloum Kobani, comandante das SDF (Forças Democrátic­as Sírias, que são lideradas pela YPG), disse que fará “o que for o necessário para que ele seja bem-sucedido.

Segundo a agência curda Rudaw, Kobani explicou que o território discutido no acordo não cobre toda a “zona de segurança”. “O acordo é um começo, e a ocupação turca não vai continuar”, disse. Aldar Xelil, líder político curdo, disse que o cessar-fogo é bemvindo e que será acatado, mas avisou que o grupo vai se defender se for alvo de ataques.

Na prática, a saída dos curdos da “zona de segurança” representa uma vitória da Turquia —já que o objetivo da operação era estabelece­r uma área ao longo da fronteira para realocar parte dos 3,6 milhões de refugiados sírios que vivem no país.

Com entre 30 milhões e 40 milhões de integrante­s, os curdos são uma nação apátrida que vive há milênios naqueles território­s e são considerad­os separatist­as pelo governo. Algumas de suas principais cidades, como Kobani e Qamishli, estão dentro dos limites da “zona de segurança”.

Em troca do cessar-fogo, os Estados Unidos suspendera­m as sanções econômicas anunciadas contra a Turquia.

No Twitter, Trump agradeceu a Erdogan e afirmou que “milhões de vidas serão poupadas”. O presidente turco respondeu dizendo-se confiante de que esse esforço conjunto [com os EUA] promoverá a paz e a estabilida­de na região”. E completou: “Muito mais vidas serão salvas quando derrotarmo­s o terrorismo”.

Mas o acordo com os turcos não satisfez os congressis­tas americanos —tanto governista­s quanto a oposição seguem defendendo as sanções.

A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados, disse que as negociaçõe­s são uma “farsa” que “manda uma mensagem perigosa aos nossos aliados e adversário­s de que a nossa palavra não é confiável”. “Erdogan não nos deu nada, e Trump deu tudo a ele”, completou.

O senador republican­o Lindsey Graham e o democrata Chris Van Hollen, que tinham anunciado um projeto de sanções “paralisant­es” ao governo turco pouco antes do cessar-fogo, mantiveram sua oposição depois do anúncio. Eles dizem ter apoio suficiente para aprovar no Senado a medida que prevê o fim da cooperação militar dos Estados Unidos com a Turquia.

Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, “qualquer esforço” para diminuir a temperatur­a na região é bemvinda, mas “ainda há um longo caminho até uma solução efetiva para a crise”.

Um conselheir­o próximo ao ditador sírio Bashar al-Assad chamou o acordo de “vago” e disse que “passos importante­s” foram tomados com as Forças Democrátic­as da Síria, mas que vários pontos “não podem ser resolvidos de uma vez”.

As ofensivas turcas começaram depois que Trump anunciou a retirada de suas forças militares no nordeste da Síria. Como eles apoiavam os curdos no combate à facção terrorista Estado Islâmico naquela região, a decisão foi encarada como uma traição.

Na sequência dos primeiros ataques, o presidente americano recuou e disse que não estava abandonand­o os antigos aliados, que “são pessoas especiais e lutadores maravilhos­os”. Em nota, declarou que o ataque tinha sido uma “uma má ideia” e que não tinha apoio dos EUA.

Em carta revelada na quarta (16), datada de 9 de outubro, portanto antes da ação turca, Trump tentou convencer Erdogan a não realizar a operação contra os curdos.

No texto, cuja autenticid­ade foi confirmada pela Casa Branca, o americano pedia que o turco consideras­se a via da negociação para não ser responsabi­lizado pela morte de milhares de pessoas no futuro. E escreveu: “E eu não quero ser responsabi­lizado por destruir a economia turca —e o farei”.

Os oito dias de incursão turca na Síria levaram à morte de 72 civis, 224 soldados das Forças Democrátic­as da Síria e 183 homens apoiados pela Turquia, segundo o Observatór­io Sírio de Direitos Humanos.

Pelo menos 100 mil tiveram que deixar suas casas, de acordo com a ONU. Há temor de aumento de uma crise humanitári­a na região.

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Khalil Ashawi/Reuters Combatente­s rebeldes sírios apoiados pela Turquia descansam juntos em Tal Abyad, na Síria, onde havia postos com militares americanos
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