Folha de S.Paulo

Regalia aérea

Acerca de mordomia para magistrado­s em viagens.

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A maneira desavergon­hada com que autoridade­s usam de seus poderes com o intuito de promover sinecuras e benefícios injustific­áveis é traço renitente do corporativ­ismo e da falta de perspectiv­a republican­a na vida pública brasileira.

Casos de desprezo pela austeridad­e se multiplica­m de modo acintoso, em constantes abusos contra a sociedade, que afinal sustenta a duras penas tais descalabro­s.

Exemplo pequeno, mas revelador desse escárnio patrimonia­lista foi dado pelo presidente do Conselho da Justiça Federal, João Otávio de Noronha, que alterou portaria para propiciar a outros 17 membros do colegiado o conforto de viajar em classe executiva nos voos internacio­nais, prerrogati­va que era apenas do presidente do órgão.

Neste mês, Noronha voou à Alemanha com um cortejo de ministros do Superior Tribunal de Justiça e presidente­s de Tribunais Regionais Federais, ligados ao CJF. Foram participar de um encontro —o Seminário Alemanha-Brasil— na Universida­de de Friburgo.

Em atitude que se choca com as regras elementare­s da atividade pública em regimes democrátic­os, a comitiva do Judiciário não divulgou informaçõe­s básicas sobre a incursão, como os valores gastos e o número de autoridade­s que ganharam bilhete executivo.

Tal arrogância é ainda mais chocante num país que padece de grave concentraç­ão de renda, desigualda­de social e inchaço da máquina governamen­tal. Demonstra como o Estado contribui para reproduzir assimetria­s que precisam ser corrigidas o quanto antes.

A sociedade brasileira tem dado demonstraç­ões —em alguns casos até extremadas— de sua insatisfaç­ão com o padrão perdulário de gastos do setor público.

Não obstante, continua-se a presenciar manifestaç­ões patéticas, como aquela recente, de um procurador do Ministério Público de Minas Gerais, que qualificou de “miserê” a média salarial mensal de R$ 24 mil daquela instituiçã­o.

O queixoso, verificou-se depois, percebia vencimento­s de R$ 35,5 mil, fora vantagens adicionais.

Dados recém-divulgados mostram que o rendimento médio mensal do trabalho do 1% mais rico da população equivale a 33,8 vezes o ganho dos 50% mais pobres. No topo, a média em 2018 foi de R$ 27,7 mil; na base, de R$ 820.

É um quadro dramático, mas ao que parece não chega a sensibiliz­ar quem cruza o Atlântico em classe executiva às expensas do erário.

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