Folha de S.Paulo

Datas fatais

- Ruy Castro

Três ciganas em diferentes países e épocas leram a mão do crítico americano de literatura Harold Bloom. Todas cravaram que ele morreria aos 89 anos, três meses e 11 dias. Bloom contou isso à minha amiga Lucia Guimarães, em entrevista publicada no Estadão de 18/1/2013. Bloom morreu na segunda-feira última, 14 de outubro, aos 89 anos, três meses e três dias —oito dias antes da data prevista. Ou já não se fazem ciganas como antigament­e ou o erro pode ter sido provocado pelo próprio Bloom, que, doente e vendo se aproximar a data fatal, teria se deixado morrer antes. Ele tinha essa mania de contrariar.

Os escritores americanos, logo eles, vivem se envolvendo com tais histórias. O fabuloso Ambrose Bierce (1842-1914?) escreveu vários contos de terror em que as pessoas morriam e seus corpos desapareci­am. Pois não é que ele próprio, tendo ido para o México em 1913 a fim de cobrir a revolução de Pancho Villa, morreu por lá e seu corpo nunca foi encontrado? Já Mark Twain, nascido duas semanas depois da passagem do cometa Halley, em 1835, escreveu em sua autobiogra­fia que iria morrer na volta do cometa, em 1910. E morreu mesmo, de um ataque do coração, no dia seguinte à passagem do Halley naquele ano.

Mas não só os americanos. Veja Arnold Schoenberg, o compositor austríaco. Por ter nascido num dia 13, em 1874, ele era obcecado pelo número 13. Infernizou a vida de sua mulher dizendo que iria morrer aos 76 anos, porque 7 + 6 eram 13. Acertou: morreu às 11h47 da noite, 13 minutos antes da meia-noite de 13 de julho de 1951, aos 76 anos.

E nós não ficamos muito atrás. Ismael Nery, nosso imenso artista, jurava que iria morrer aos 33 anos. Tuberculos­o, pintou um túmulo com a inscrição “Ismael Nery 19001933”, com o 3 esmaecido, podendo ser também um 4. Pois morreu em abril de 1934 —aos 33 anos.

É perigoso prever o dia da própria morte. Corre-se o risco de acertar.

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