Folha de S.Paulo

A fila anda

Só o tempo livrará o país dos ministros do Supremo

- Jornalista, 76 anos J.R. Guzzo

Um dos grandes amigos do Brasil e dos brasileiro­s de hoje é o calendário. Só ele, e mais nenhum outro instrument­o à disposição da República, pode resolver um problema que jamais deveria ter se transforma­do em problema, pois sua função é justamente resolver problemas —o Supremo Tribunal Federal.

O STF deu um cavalo de pau nos seus deveres e, com isso, conseguiu promover a si próprio à condição de calamidade pública, como essas que são trazidas por enchentes, vendavais ou terremotos de primeira linha. Aberrações malignas da natureza, como todo mundo sabe, podem ser resolvidas pela ação dos bombeiros e demais serviços de salvamento.

Mas o STF é outro bicho. Ali a chuva não para de cair, o vento não para de soprar e a terra não para de tremer —não enquanto os indivíduos que fabricam essas desgraças continuare­m em ação. Eles são os 11 ministros que formam a nossa “corte suprema”, e não podem ser demitidos nunca de seus cargos, nem que matem, fritem e comam a própria mãe no plenário. Só há uma maneira de a população se livrar legalmente deles: esperar que completem 75 anos de idade. Aí, em compensaçã­o, não podem ser salvos nem por seus próprios decretos. Têm de ir embora, no ato, e não podem voltar nunca mais. Glória a Deus.

Demora? Demora, sem dúvida, e muita coisa realmente ruim pode acontecer enquanto o tempo não passa, mas há duas consideraç­ões básicas a se fazer antes de abandonar a alma ao desespero a cada vez que se reúne a apavorante “Segunda Turma” do STF —o símbolo, hoje, da maioria de ministros que transformo­u o Supremo, possivelme­nte, no pior tribunal superior em funcioname­nto em todo o mundo civilizado e em toda a nossa história.

A primeira consideraç­ão é que não se pode eliminar o STF sem um golpe de Estado, e isso não é uma opção válida dos pontos de vista político, moral ou prático. A segunda é que o calendário não para. Anda na base das 24 horas a cada dia e dos 365 dias a cada ano, é verdade, mas não há força neste mundo capaz de impedir que ele continue a andar. Levará embora para sempre, um dia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowsk­i. Antes deles, já em novembro do ano que vem e em julho de 2021, irão para casa Celso de Mello e Marco Aurélio Mello —será a maior contribuiç­ão que terão dado ao país desde que ingressara­m no serviço público, como acontecerá no caso dos colegas citados acima. E assim, um por um, todos irão embora —os bons, os ruins e os horríveis.

Faz diferença, é claro. Só os dois que irão para a rua a curto prazo já ajudam a mudar o equilíbrio aritmético entre o pouco de bom e o muitíssimo de ruim que existe hoje no tribunal. Como é praticamen­te impossível que sejam nomeados dois ministros piores do que eles, o resultado é uma soma no polo positivo e uma subtração no polo negativo —o que vai acabar influindo na formação da maioria nas votações em plenário e nas “turmas”.

Com mais algum tempo, em maio de 2023, o Brasil se livra de Lewandowsk­i. A menos que o presidente da época seja Lula, ou coisa parecida, o ministro a ser nomeado para o seu lugar tende a ser o seu exato contrário —e o STF, enfim, estará com uma cara bem diferente da que tem hoje. O fato, em suma, é que o calendário não perdoa. O ministro Gilmar Mendes pode, por exemplo, proibir que o filho do presidente da República seja investigad­o criminalme­nte, ou que provas ilegais, obtidas através da prática de crime, sejam válidas numa corte de Justiça. Mas não pode obrigar ninguém a fazer aniversári­o por ele. Gilmar e os seus colegas podem rasgar a Constituiç­ão todos os dias, mas não podem fugir da velhice.

O Brasil que vem aí à frente, por esse único fato, será um país melhor. Se você tem menos de 25 ou 30 anos de idade, pode ter certeza que vai viver numa sociedade com outro conceito do que é Justiça. Não estará sujeito, como acontece hoje, à ditadura de um STF que inventa leis, censura órgãos de imprensa e assina despachos em favor de seus próprios membros. Se tiver mais do que isso, ainda pode pegar um bom período longe do pesadelo de inseguranç­a, desordem e injustiça que existe hoje. Só não há jeito, mesmo, para quem já está na sala de espera da vida, aguardando a chamada para o último voo. Para estes, paciência (poderiam contar, no papel, com o Senado —o único instrument­o capaz de encurtar a espera, já que só ele tem o poder de decretar o impeachmen­t de ministros do STF. Mas isso não vai acontecer nunca: o Senado brasileiro é algo geneticame­nte programado para fazer o mal). Para a maioria, a vitória virá com a passagem do tempo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil