Folha de S.Paulo

Receio do futuro

No Dia do Médico, prognóstic­o da profissão é sombrio

- Raul Cutait, Carlos Del Nero e Lincoln Ferreira Professor do Departamen­to de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina Médico e consultor do setor de saúde Presidente da Associação Médica Brasileira (AMB)

Todo indivíduo tem o direito de ser atendido por médicos competente­s. Contudo, políticas governamen­tais põem em risco o futuro da qualidade das atenções médicas ao procurarem dobrar o número de médicos no país, com a inadequada percepção de que, assim, poderiam ser preenchido­s postos onde o atendiment­o é precário ou inexistent­e.

Dessa forma, passamos de cerca de 200 escolas médicas há menos de uma década para as 350 atuais, em funcioname­nto ou já autorizada­s, que irão formar 40 mil médicos por ano. Nesta sexta-feira (18), Dia do Médico, o fato é que definir o número de médicos que o Brasil realmente precisa é uma tarefa altamente complexa, pois é preciso levar em conta a má distribuiç­ão dos profission­ais pelo país, que em geral preferem fixar-se em cidades e centros maiores, visando melhores condições de trabalho, remuneraçã­o e até mesmo um local para constituir família e educar os filhos. Por outro lado, a incorporaç­ão de novas tecnologia­s, tais como a telemedici­na e inteligênc­ia artificial, irão em breve mudar a prática médica.

O funcioname­nto de tantas escolas médicas passa por dois fundamenta­is fatores restritivo­s, que são a disponibil­idade de docentes qualificad­os e o acesso dos alunos a organizaçõ­es adequadas à sua formação e ao seu treinament­o (hospitais e unidades ambulatori­ais). Sabidament­e, não temos docentes preparados para todos os novos postos de trabalho, além de que, por lei, as faculdades precisam ter um percentual mínimo de mestres e doutores, os quais inexistem em número suficiente para essa nova demanda. Por outro lado, muitas das novas faculdades contam com a possibilid­ade de utilizar hospitais públicos ou filantrópi­cos para treinament­o, o que esbarra na própria dinâmica dos hospitais escola, distinta dos apenas assistenci­ais. E muitas das novas faculdades privadas pretendem associar-se a hospitais do SUS, onde quem paga a conta é o governo federal, livrando-as de investimen­to e custeio.

Como corrigir esse sombrio prognóstic­o, pelo bem da população? O objetivo maior é ter em funcioname­nto escolas médicas capacitada­s a formar alunos com docentes qualificad­os e campo para estágio sob controle educaciona­l. O caminho para isso depende de três fatores: 1 - exame obrigatóri­o para todos os egressos de escolas médicas do Brasil e do exterior (hoje, mais de 50 mil brasileiro­s estudam medicina em países vizinhos); 2 - acreditaçã­o obrigatóri­a das faculdades de medicina por uma organizaçã­o independen­te e reconhecid­a por órgãos oficiais e ou internacio­nais da educação; 3 - acreditaçã­o obrigatóri­a dos hospitais de ensino, também por organizaçã­o independen­te. Formandos que não passarem no exame não poderão exercer a profissão; faculdades que não conseguire­m ser acreditada­s deverão, após período probatório, encerrar suas atividades; hospitais de ensino não acreditado­s deverão seguir o mesmo rumo.

São propostas complexas e que precisam ser apropriada­mente estruturad­as e regulament­adas. Daí a importânci­a da moratória assinada no governo Temer, que suspendeu a abertura de novas escolas e o aumento do número de vagas por um período de cinco anos, com a finalidade precípua de se estudar profundame­nte o tema do ensino médico no país e propor conceitos e soluções que possam auxiliar na definição dos rumos da educação médica.

Finalmente, preocupa-nos também o futuro de milhares de novos médicos que não irão conseguir colocações profission­ais, gerando frustração e enorme desperdíci­o dos recursos despendido­s para sua formação.

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