Folha de S.Paulo

Governo Bolsonaro é reacionári­o e antiquado, afirma ex-presidente

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chama, em entrevista à Folha, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) de atrasado, reacionári­o, antiquado e anacrônico. Ao mesmo tempo, afirma que é cedo para julgar seu desempenho e diz que as instituiçõ­es brasileira­s não sofreram abalo desde sua eleição, há um ano.

Ao comparar a transição de poder com Lula em 2002, considerad­a exemplo de civilidade, ao clima atual de polarizaçã­o no país, afirma que o presidente deveria agir para baixar a tensão, o oposto do que vem fazendo.

Polarizaçã­o

[Em 2002] Houve um esforço consciente para organizar regras democrátic­as de transição. Eles [PT] na campanha tinham me arrebentad­o, mas chegaram ao poder e viram que as coisas são diferentes.

Na campanha são forças antagônica­s se chocando, mas quem assume o poder tem a obrigação de contribuir para baixar a tensão. O presidente no Brasil tem um pouco de Poder Moderador na mão. Ou ele usa para baixar a tensão, ou cria uma divisão na sociedade que se torna muito difícil para ele próprio depois. Eu sempre procurei não ter atitude partidária. Nunca fui de flá-flu.

Redes sociais

São um ingredient­e novo, que diminui a força das instituiçõ­es representa­tivas. Acirra, cria tribos guerreiras. Como você vai compatibil­izar uma rede que transmite um impulso, um sentimento, com a necessidad­e que todo governo tem de argumentar e ter tempo? Eu digo sempre que estou no Twitter para aprender a dizer alguma coisa com poucas palavras. Mas não precisa dizer nada. Você tem que excitar sua base.

Lula e a economia

[Lula] me surpreende­u no governo. O que ele dizia na campanha era outra coisa. Qual foi meu papel [junto à comunidade internacio­nal]? Dizer: “olha, ele não é o bicho-papão”, para evitar uma reação contra interesses do Brasil.

É preciso reconhecer que o Lula teve capacidade para governar. O Lula não quebra regras. Demonstrou mais jogo de cintura do que parecia.

Acordo com o FMI

No caso do Brasil, o FMI nunca teve desconfian­ça de que o governo cumpriria [o acordo]. Funcionári­os do FMI jogaram contra, acirraram a desconfian­ça de que iríamos para o default.

Governo reacionári­o

As instituiçõ­es não sofreram um abalo. Você continua tendo liberdade, imprensa livre, o Parlamento funciona, a Justiça. Você não tem medo.

Pode piorar? Pode. A democracia tem que ser cuidada, sempre. Eu não tenho a visão de que inevitavel­mente o Brasil vai [piorar] porque o presidente é de direita, seu grupo de referência é atrasado, reacionári­o, antiquado em muita coisa.

Segunda instância

Não pega só o Lula, é muita gente. [Mudar] tem consequênc­ias complicada­s. Se houve avanço é que gente que roubou, sendo poderosa ou rica, foi presa. Prender porque a lei manda é um avanço democrátic­o grande.

Pensamento anacrônico

Temos a emergência de grupos que têm o pensamento anacrônico, porque definem um inimigo que não existe. O marxismo cultural, o globalismo, isso não existe.

Quem é comunista hoje, qual a referência? É a China? Acabei de ver a lista dos dez maiores bancos do mundo, a maioria é chinesa. É Cuba? No passado queria exportar a revolução, hoje esqueceu o assunto. [Quando o chamam de comunista] Eu nem reajo, pode chamar à vontade.

Doria

Acho cedo [falar em candidatur­a presidenci­al]. É prudente que o Doria comece a se caracteriz­ar de outra maneira [em relação a Bolsonaro].

É pouco provável que o Bolsonaro seja uma figura agregadora daqui a dois ou três anos. Mesmo para julgar o governo Bolsonaro é cedo. É muito cedo para a gente organizar candidatur­as.

Alckmin

Eu gosto do Alckmin. Ele foi anos a fio um homem ativo na vida política, administra­tiva. E é pessoa correta. Tenho a impressão de que está um pouco desgostado com o Doria. Seria um forte candidato a prefeito? Não sei. Mas ele é um asset [ativo] para o PSDB.

Huck

Eu sou amigo do Luciano. Mas ele tem que decidir que vai ser líder político. São coisas parecidas, mas não são iguais, ter popularida­de pela via da celebridad­e e pela via da briga política. A política divide, a celebridad­e soma.

Trump

Ah, eu torço [por um democrata em 2020]. Prefiro pessoalmen­te e por causa do Brasil. Essa sra. é interessan­te, a [Elizabeth] Warren. Mas não sei se ela não está muito à esquerda no espectro americano. O mundo não está num momento de progressis­mo, é um momento de conservado­rismo. De qualquer maneira, acho preferível ao Trump. O Trump de bobo não tem nada.

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