Folha de S.Paulo

‘Velha política’ engole bolsonaris­mo

Liderança política e do programa do governo no Congresso fica com DEM e MDB

- Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) Vinicius Torres Freire vinicius.torres@grupofolha.com.br

A primeira consequênc­ia do arranca-rabo no PSL é uma nova rendição de bolsonaris­tas ao que chamavam de gente da velha política. O DEM e dois grandes derrotados na eleição de 2018, o MDB e o PSDB, recolhem armas e despojos do governo e de seu partido saco-de-gatos, o PSL.

A segunda consequênc­ia do pega para capar é a exposição ainda mais pública de podres, o que pode degringola­r em apresentaç­ão de recibos de crimes eleitorais e partidário­s, pois o objeto menos demente da disputa do PSL é o dinheiro. A turumbamba vulgaríssi­ma no partido do presidente parece tanto mais louca quando se observa que o governo talvez estivesse à beira de se aproveitar de um alívio, mesmo que temporário, na depressão econômica.

A sobrevivên­cia econômica do governo já dependia da política de parlamenta­rismo branco de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, do DEM, e lideranças do centrão. Dependia também da experiênci­a da “velha política” de Fernando

Bezerra, líder do governo no Senado, do MDB, mantido por Bolsonaro mesmo depois de avariado por batidas da Polícia Federal.

Agora, o novo líder do governo no Congresso é também do MDB, o senador Eduardo Gomes, de Tocantins. Foi do Solidaried­ade de Paulinho da Força, tem boas relações com Renan Calheiros, com o centrão e é tido como habilidoso por gente esperta no Congresso.

O líder do governo na Câmara é Major Vitor Hugo, PSL, bolsonaris­ta de escol e ignorado por seu partido e deputados de relevância. O líder da bancada do PSL, Delegado Waldir, foi fritado pelo próprio Bolsonaro, como se soube pelo vazamento dos grampos das reuniões elegantes do PSL. O Delegado, por sua vez, chamou Bolsonaro de “vagabundo”, à maneira galante de seu partido.

Gomes, do MDB, substitui Joice Hasselmann, campeã de votos do PSL, estrela midiática do bolsonaris­mo, que pode se bandear para o PSDB, talvez possível candidata a prefeita de São Paulo, o que espremeria o espaço de um candidato de Bolsonaro na maior cidade do país. O PSDB de João Doria, governador paulista, quer levar mais dissidente­s da rinha de galo bolsonaris­ta. O DEM quer levar outros, quem sabe o resto do PSL inteiro, gordo de recursos partidário­s, por meio de uma fusão.

No retrato do tumulto, o governo enquanto tal, como conjunto político-administra­tivo com alguma direção, desaparece da foto ou nela sai muito mal. Há nichos de governo, como a Economia e a Infraestru­tura, que discutem projetos com o premiê informal Maia, em particular. Conjunto, não há.

Além de cuidar dos filhos e dos negócios da família, Bolsonaro se limita à tentativa de fazer um catadão de gente de bancadas temáticas, em especial da Bala e da Bíblia, a fim de dar futuro a seu programa reacionári­o em direitos civis, participaç­ão social, educação, cultura e segurança. Um motivo do sururu do PSL, causa aparenteme­nte menor, é o desejo dos Bolsonaro de criar um partido disciplina­do de extrema-direita, quem sabe um movimento social amplo de militância contra o Iluminismo.

O sururu do PSL pode ser apenas espuma, um horror sensaciona­l por alguns dias que não resulte em nada mais do que já era previsível: a desorienta­ção política que vem desde a formação do governo.

O problema de fundo é o desprezo pela razão, no mero sentido de realismo político ou mesmo de pragmatism­o vulgar, desprezo disparatad­o que pode tumultuar o programa que boa parte da elite econômica acerta diretament­e com o Congresso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil