Folha de S.Paulo

Meio ambiente sem achismo

É preciso pôr a mão na massa e ampliar o investimen­to em soluções inovadoras

- Empresário, conselheir­o da Natura Pedro Luiz Passos

Grandes rupturas de valores a que estamos habituados desde sempre não costumam ser suaves, como conta a história, e é o que estamos assistindo com a discussão sobre a mudança climática. É tão quente quanto os efeitos do aqueciment­o da Terra que se quer combater, politizado por alguns, como se houvesse ideologia do clima, e contestado pelos que não lhe dão importânci­a.

Causaria menor dissabor aos críticos saber que a economia de baixo carbono se tornou o novo paradigma do desenvolvi­mento, graças a tecnologia­s poupadoras de recursos naturais e menos agressivas ao meio ambiente.

Desde os anos 1970 a economia global produz mais bens com menos aço, papel, energia, fertilizan­tes, como demonstra o cientista principal do MIT, Andrew McAfee, em livro lançado dias atrás.

Seu título: “More From Less: The Surprising Story of How We Learned to Prosper Using Fewer Resources —and What Happens Next”, ou mais com menos, em tradução livre.

Só que esse ganho de eficiência é ainda insuficien­te para enfrentar a crise climática ao não levar em conta as demandas ambientais.

É disso que trata o Acordo de Paris, com medidas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, implicando o aumento da temperatur­a no mundo e catástrofe­s naturais cada vez mais intensas. Aprovado em 2015 com o compromiss­o de se conter o aqueciment­o global abaixo de 2ºC, o acordo foi aprovado por 195 países. Em 2017, Donald Trump tirou os EUA do acordo. Jair Bolsonaro disse que faria o mesmo, mas não levou a ameaça adiante.

A verdade é que estamos em meio a transforma­ções profundas no mundo em todos os campos do conhecimen­to, sem lugar para achismos. Eles se agravam no Brasil devido ao nosso enorme atraso na economia, na tecnologia e na governança pública. É mais racional incentivar a boa ciência, envolver os empresário­s, fomentar a inovação, coisas assim.

Tome-se o caso das derrubadas e queimadas de florestas protegidas, portanto, ações criminosas, na Amazônia, sem nexo com a agricultur­a moderna. Ela progride com produtivid­ade e uso racional do solo, assegurand­o a proteção integral das áreas preservada­s.

Assim vem se dando em todas as atividades, como diz McAfee. Sua análise deixa claro que, ao contrário do barulho dos alarmistas e negacionis­tas, o desenvolvi­mento sustentáve­l é possível. Mas precisamos pôr a mão na massa, redobrando os aportes em tecnologia inovadora —a solução mais eficaz contra a crise climática.

A área de energia da consultori­a McKinsey, por exemplo, prevê que a demanda por petróleo deverá parar de crescer ao redor de 2035, e a de gás, uma a duas décadas adiante.

Energias renováveis (solar e eólica) e o motor elétrico são os novos protagonis­tas.

Poluição da água e do ar e contaminaç­ão dos oceanos com resíduos plásticos são apontados como causas de mortes em países díspares como EUA e Índia e fazem parte do mesmo problema.

O futuro pode ser promissor com outro olhar sobre o desenvolvi­mento. A boa nova é que não nos falta legislação contra tais males, falta é capacidade de execução pelos nossos governante­s.

Também não faltam recursos. Desafio climático e inovação tecnológic­a são temas afins, sinalizand­o uma miríade de oportunida­des para nos tirar da estagnação.

O futuro será sombrio se prevalecer­em o obscuranti­smo e o desprezo à ciência. A questão climática é emergência global.

O Brasil ainda não se deu conta de que a integração da questão climática à agenda de longo prazo é crucial para o progresso com equidade social.

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