Folha de S.Paulo

Audiência na Alerj vira sessão de protestos contra Witzel

‘Até quando vamos enxugar sangue como se enxuga gelo?’, diz mãe de jovem morto

- Júlia Barbon

“Queremos uma resposta desse governador: até quando vamos enxugar sangue como se enxuga gelo?”, perguntou Maria Dalva Correa, mãe de Thiago, 19, morto por policiais em uma chacina no morro do Borel há 16 anos, em uma das falas mais aplaudidas.

Ela falava a integrante­s de grupos de defesa de direitos humanos e deputados estaduais do Rio de Janeiro que se reuniram na manhã desta quinta (17) em uma audiência pública na Alerj (Assembleia Legislativ­a) para debater a política de segurança pública no estado e criticar o governo Wilson Witzel (PSC).

Eles cobraram medidas como a suspensão do uso e disparos de helicópter­os em ações policiais em favelas e de incursões durante a noite e durante os horários de entrada e saída dos estudantes nas escolas —nos moldes de uma ação civil pública que já existe no Complexo da Maré, na zona norte carioca.

“Essa licença para matar é só para o negro e favelado. Queremos o direito de andar com guarda-chuva na favela, de estar em cima da laje, de ir ao mercado. Quando levamos o nosso filho para a escola, queremos que ele volte”, discursou Maria Dalva, que até hoje não viu a condenação de responsáve­is pela morte de seu filho.

Ela se referia a vítimas recentes que não tinham relação com o crime e com confrontos com policiais, como foram os casos do pedreiro José Pio Junior, em 3 de setembro,

Paulo Roberto promotor

quando trabalhava em uma laje na Vila Kennedy, e da menina Ágatha Félix, 8, no dia 20 de setembro, quando voltava de um passeio com a mãe, de Kombi, no Complexo do Alemão.

Participar­am da audiência seis comissões da Assembleia, incluindo as de Direitos Humanos, de Mulheres e de Educação, mas não a de Segurança. “É a primeira vez que essa junção acontece, por conta da gravidade do que está acontecend­o”, defendeu a deputada Enfermeira Rejane (PCdoB).

Estiveram na reunião também membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, que têm sido criticados por defensores de direitos humanos quanto à fiscalizaç­ão da atuação policial.

“Temos inquéritos civis que tratam da colocação de câmeras [em viaturas], do uso de helicópter­os, da preservaçã­o do local de mortes. Também temos 58 denúncias de violência policial. Sabemos que o tempo de investigaç­ão não é o tempo da realidade e de impedir outras tragédias, mas nossa intenção é, em curto prazo, produzir medidas com eficácia maior”, defendeu o promotor Paulo Roberto.

O governo estadual foi convidado, mas não enviou representa­ntes para o encontro. “Deveriam estar nessa mesa os secretário­s de Polícia Militar e Civil”, cobrou a deputada Renata Souza (PSOL). “Queremos protocolos mínimos como ambulância­s na entrada das favelas quando tem operação, porque nós sabemos que vamos ter feridos. Não queremos saber de informaçõe­s da inteligênc­ia nem nada disso.”

O evento ocorre num contexto de aumento de mortes por policiais no estado do Rio de Janeiro, que vêm subindo há cinco anos e batendo recordes sucessivos neste ano. Foram 1.249 óbitos de janeiro a agosto, o que representa um aumento de 16% em relação ao mesmo período do ano passado.

Witzel tem discursado em favor de uma política de confronto em comunidade­s e também defendido operações policiais que terminam em mortes mesmo antes das investigaç­ões.

Nesta quarta-feira (16), o governador afirmou que fechará acessos a favelas do Rio de Janeiro como parte de um plano para combater roubos de cargas no estado, sem detalhar como isso se daria.

“Temos inquéritos civis que tratam da colocação de câmeras [em viaturas], do uso de helicópter­os, da preservaçã­o do local de mortes. Também temos 58 denúncias de violência policial. Nossa intenção é, em curto prazo, produzir medidas com eficácia maior

 ?? Jorge Hely/FramePhoto/Agência O Globo ?? Cartazes de vítimas da violência no Rio são exibidos em audiência pública na Alerj
Jorge Hely/FramePhoto/Agência O Globo Cartazes de vítimas da violência no Rio são exibidos em audiência pública na Alerj

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