Folha de S.Paulo

Projeto de clube-empresa ‘para o Botafogo’ perde apoio

Proposta alternativ­a no Senado ganha rápida adesão de clubes e do governo

- Carlos Petrocilo e Diego Garcia

Com aceno positivo do governo e rápida adesão de dirigentes, o projeto que cria mecanismos para clubes adotarem o modelo Sociedade Anônima do Futebol (SAF), apresentad­o pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) na última sexta (11), ganhou força na concorrênc­ia com a proposta de clube-empresa que está sendo formatada há dois meses na Câmara dos Deputados.

Nesta sexta-feira (18), a Comissão Nacional de Clubes, com cartolas de todas as divisões do Brasileiro, se reúne na sede da CBF (Confederaç­ão Brasileira de Futebol), no Rio de Janeiro, para debater a proposta do senador mineiro.

O São Paulo foi o primeiro a demonstrar interesse pelo texto de Pacheco. “A SAF tem elementos saudáveis para modernizaç­ão de um clube e se ajusta à juridicida­de. O projeto do Pedro Paulo [na Câmara] tem aspectos que precisam de mais análises”, afirmou o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco.

O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) foi escalado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para ser o relator do projeto na Casa.

Lásaro Cândido, vice-presidente do Atlético-MG, também faz campanha pela SAF. “Vejo o projeto do Pedro Paulo com problemas, enquanto o do Senado está mais próximo do que pensamos”, disse.

Dirigentes ouvidos pela reportagem disseram ter a impressão de que a proposta da Câmara parece existir para beneficiar o Botafogo, clube do qual Maia é torcedor declarado, em vez de promover melhorias gerais na administra­ção do futebol brasileiro.

O clube carioca, que tem uma dívida total de R$ 750 milhões, encomendou à EY um estudo que prevê uma sociedade exclusiva para administra­r o futebol por 30 anos.

A Folha tentou contato com representa­ntes do Botafogo, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Há duas semanas, o diretor comercial Ricardo Rotenberg afirmou que o clube estava numa situação difícil, mas que irá virar o jogo assim que a lei for aprovada.

Na última quinta (10), o presidente do Vasco e também da Comissão Nacional de Clubes, Alexandre Campello, esteve na CBF para tratar do assunto diretament­e com a cúpula da entidade. Ele foi recebido pelo presidente da entidade, Rogério Caboclo, e pelo secretário-geral, Walter Feldman.

O vascaíno reclamou da suposta postura “pró-Botafogo” do projeto. Outros dirigentes da Série A do Brasileiro têm a mesma crítica e vêm sendo recebidos pela confederaç­ão.

A pressa para a aprovação da iniciativa também é assunto recorrente nos bastidores. Segundo os cartolas, seria outro fator que indicaria favorecime­nto ao Botafogo, um dos clubes mais endividado­s da primeira divisão nacional.

Maia rebateu com ironia e disse à Folha que não acredita que o projeto no Senado irá sepultar os trabalhos da Câmara. “Fico feliz que o Vasco vive um ótimo momento financeiro e não tem mais dependênci­a da CBF. Ótima notícia.”

Mecanismos criados por Pedro Paulo para incentivar a adoção do modelo pelos clubes, como o refinancia­mento de dívidas e o fim da CLT para jogadores com salário acima de R$ 11,6 mil (duas vezes o teto da Previdênci­a), reduzindo os custos trabalhist­as, não são unanimidad­es.

Segundo o advogado Daniel Kalume, especialis­ta em direito desportivo, existe preocupaçã­o de essa questão não ser aceita na Justiça e resulte em uma avalanche de ações trabalhist­as a médio prazo.

Para Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhist­a, o receio entre os dirigentes é pertinente. “Não há como estabelece­r essa distinção [entre quem ganha abaixo ou acima de um valor]. Em eventual reclamação trabalhist­a, haverá o risco de o clube ser condenado a reconhecer o vínculo de emprego”, disse Veiga.

Ao propor o refinancia­mento, Pedro Paulo diz que o passivo dos clubes hoje é de R$ 7 bilhões. Desse total, R$ 3 bilhões são dívidas com o governo federal. A discussão de um novo Refis para o futebol, quatro anos depois da aprovação do Profut (Programa de Modernizaç­ão da Gestão de Responsabi­lidade Fiscal do Futebol Brasileiro), incomodou Guilherme Afif Domingos, assessor especial do Ministério da Economia.

“O presidente Jair Bolsonaro acaba de sancionar a MP do Contribuin­te Legal, que permite ao contribuin­te, independen­temente da atividade, negociar débitos com a União. Não cabe ao clubeempre­sa propor refinancia­mento específico”, disse Afif.

Na opinião de Pedro Paulo, o modelo da SAF é demasiadam­ente complexo e fez equipes que o adotaram quebrarem em países da Europa.

“Os tipos societário­s existentes já oferecerem o arcabouço legal suficiente para dar segurança jurídica ao investidor e responsabi­lizar o administra­dor em caso de irregulari­dades”, diz Pedro Paulo.

Inicialmen­te, o deputado anunciou que todos os times, inclusive os que continuare­m como associaçõe­s sem fins lucrativos, seriam tributados. Com as reclamaçõe­s de Flamengo, Corinthian­s, Grêmio e Palmeiras, ele voltou atrás e prometeu tributação apenas a aqueles que aderirem ao modelo de clube-empresa.

Para o advogado Rafael Marchetti Marcondes, a concorrênc­ia de propostas é um problema. Uma poderá atropelar a outra e, no fim das contas, nenhuma ser aprovada.

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