Folha de S.Paulo

‘El Camino’ faz afago a fãs saudosos de ‘Breaking Bad’ sem mudar história

- Luciana Coelho criticaser­ial@grupofolha.com.br

Não estraga a surpresa saber que Walter White (Bryan Cranston) surge, mordaz e faceiro, no finzinho de “El Camino”, que a Netflix lançou como sequência de “Breaking Bad”seis anos após seu término. Não há, afinal, surpresa nenhuma no filme.

“El Camino - Um Filme de ‘Breaking Bad’ é muito mais um afago para os fãs daquela que é facilmente defendida como a melhor série deste século do que um desdobrame­nto ou resposta para a história do professor de química transforma­do em chefão do tráfico de metanfetam­ina.

Funciona como rever um amigo de infância, cultivar a nostalgia e voltar cada um a sua vida. Fora o prazer momentâneo, nada muda. Com “Breaking Bad”, essa é uma razão justificáv­el para a continuaçã­o —que, com duas horas, não oferece maior risco de desvirtuar o espírito do original.

É bom revisitar Jesse Pinkman (Aaron Paul), o pupilo de White, Mike (Jonathan Banks), o psicopata Todd (Jesse Plemons) e Jane (Krysten Ritter), a finada namorada de Jesse, na lembrança deste.

Mas o ritmo vago e contemplat­ivo do filme está muito mais próximo ao de “Better Call Saul”, a série derivada de “Breaking Bad” que se apresenta como prefácio da vida criminosa do advogado Saul Goodman (Bob Odenkirk), do que da intrincada ação da criação original de Vince Gilligan. O diretor/roteirista, aliás, é pai das três produções.

“El Camino” parte do ponto onde o sr. White e Jesse nos deixaram em 2013. Como o primeiro está morto, resta acompanhar a fuga do segundo, agora um criminoso caçado pelo país tanto pela polícia quanto por bandidos rivais.

Enquanto para o personagem de Cranston foi reservada a redenção (que no início da saga parecia improvável para o então virtuoso professor), para Jesse sobra o purgatório.

Para conseguir sua expiação, Jesse passa pelo jugo da quadrilha da qual Todd faz parte, condenado a produzir metanfetam­ina. São dias de surra, solidão, cela suja e acorrentam­ento ao laboratóri­o.

A ação esparsa é recortada por flashbacks que alimentam a narrativa, e é assim que Walter White ressurge, em uma lembrança doce e sarcástica da relação entre os dois —é o melhor diálogo do filme, “Breaking Bad” em estado puro.

O Jesse no qual esbarramos agora também não é um pósadolesc­ente, e sim um sujeito embrutecid­o pelos percalços no caminho, pelos quais recebeu muito pouco em troca.

Ainda assim, é possível vêlo nos quilos, anos e crimes a mais, terno ao falar com os pais, fascinado por animais.

Paul, cuja escolha para o papel foi tardia, tornou-se um grande ator, e parte do deleite de “El Camino” é sua interpreta­ção contida, que imediatame­nte estabelece cumplicida­de com o espectador que conhece sua história. A participaç­ão de Robert Forster, morto recentemen­te, também resulta em uma das melhores cenas.

No mais, é saudade.

“El Camino - Um Filme de Breaking Bad” está disponível na Netflix

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