Folha de S.Paulo

Agente de futebol e ex-PM que passou mais de 10 anos na prisão lança livro

Angelo Canuto era empresário do atacante Luciano, hoje no Grêmio, e está livre desde o ano passado

- Alex Sabino

Angelo Canuto, 45, esboça um sorriso quando escuta que nada pode ser mais diferente do que a vida na prisão e no futebol. “É mais parecida do que pensam”, rebate.

A comparação soa estranha porque a imagem mais conhecida é a do futebol profission­al de elite, com seu glamour, dinheiro e outros luxos. “No cárcere você também pode ter tudo isso”, ele responde.

Empresário de futebol que fez transações com grandes clubes do país, Canuto foi preso em 2014 acusado de ser um dos líderes de uma organizaçã­o criminosa que traficava cocaína pelo porto de Santos. Ele nega essa acusação.

“Se eu fosse isso, não estaria aqui para contar essa história. Nunca fui chefe de tráfico no porto de Santos. Eu fui condenado por organizaçã­o criminosa, não por tráfico. Já fiz coisa errada? Fiz. Muita coisa errada. Mas nessa operação, não”, afirma.

Ele repete em seguida trecho da letra da música “Um Homem na Estrada”, do Racionais MC’s: “Te chamarão para sempre de ex-presidiári­o”.

A frase está em vários trechos de “Extracampo na Ótica do Cárcere”, livro escrito por Canuto e lançado em setembro pela editora Recriar.

Nele, o autor expõe o pensamento de que as vidas no futebol e em uma penitenciá­ria podem estar mais próximas do que as pessoas imaginam.

O empresário ficou quatro anos e meio preso. Foi libertado em agosto de 2018. Quem também sofreu com o caso foi o atacante Luciano, seu principal cliente, então jogador do Corinthian­s. Teve de conviver com as insinuaçõe­s que sabia de tudo e foi aconselhad­o a não visitá-lo.

Quando Canuto deixou o CDP (Centro de Detenção Provisória) em Pinheiros, na capital paulista, viu que o jogador estava insatisfei­to no Fluminense, com salários atrasados. Conseguiu arranjar uma proposta e o levou para o Grêmio.

“O Luciano é jogador da Elenko [Sports, empresa de agenciamen­to]. Eu sou alguém em que ele confia. Mas eu permito a ele as reflexões. Ele é quem decide. Sou alguém que ele escuta como pai, até porque eu o levei para o Corinthian­s [o jogador estava no Avaí]”, afirma.

Canuto usa esse exemplo e

os problemas que o jogador teve com outros empresário­s para mostrar como as visões podem ser deturpadas. Na cadeia, é possível receber bons conselhos. No futebol, é muito comum isso não acontecer. Ele então começa a contar uma história atrás da outra para provar que está certo.

“O garoto pobre, negro e da periferia, quando não dá certo no futebol ou no samba, tem uma penitenciá­ria o esperando de braços abertos. Tem de tomar cuidado porque é uma boca de vulcão e você cai nela se se desequilib­rar.”

Aprovado em uma peneira para as categorias de base da Portuguesa quando era criança, Canuto teve de desistir do sonho do futebol profission­al. Uma reforma na estação de trem de Guaianases tornou mais difícil para o garoto pular o muro e embarcar sem bilhete. Sua família não tinha dinheiro para pagar o transporte e, sem ter como ir aos treinos, abandonou o clube.

A chance de voltar a ficar mais perto do mundo do futebol veio aos 20 anos, em 1993, quando passou em concurso para ser policial. Escolheu ir para o 2º Batalhão da Tropa de Choque, que faz policiamen­to das partidas em São Paulo.

Deixou a PM em 1997, acusado de extorsão mediante sequestro. Condenado, ficou foragido na Baixada Santista. Acabou sendo preso em 2001 ao fazer a travessia de balsa de Guarujá para Santos.

Canuto permaneceu na cadeia por dez anos. Passou por 17 penitenciá­rias, algumas de segurança máxima, e conheceu Marcola, líder do PCC.

Tentou fugir várias vezes, segundo conta, e pensou em se matar. A situação ficou melhor nos quatro últimos anos de cumpriment­o da pena, quando conseguiu a progressão para o regime semiaberto. Ele teve a possibilid­ade de sair para estudar e só dormir na cadeia e se formou em administra­ção de empresas.

“Meu sonho sempre foi estar dentro do mundo do futebol. Conheci jogadores, comecei a ser empresário e me matriculei em um curso de MBA em gestão e marketing esportivo”, conta Canuto.

No último ano da pós-graduação, foi preso pelo esquema de tráfico no porto de Santos. Na época, já era empresário de atletas profission­ais e tinha acesso a dirigentes de clubes que frequentam as di

visões de elite do futebol brasileiro, como Corinthian­s, Avaí, Grêmio e Cruzeiro.

A sua versão para o caso é de que um de seus sócios em uma companhia especializ­ada em fazer entregas porta a porta em áreas de risco estava envolvido no esquema de tráfico de drogas, mas não ele.

“A minha empresa não lacrava contêiner [usado para transporta­r a droga]. Não era modal marítimo. A polícia achava que eu estufava contêiner, mas a minha empresa ficava na zona leste de São Paulo”, afirma.

O raciocínio por trás do seu modelo de negócios era reinserir ex-detentos na sociedade e contratá-los para fazer as entregas, porque eles seriam capazes de entrar nas favelas para realizá-las. Com o dinheiro o que ganhou com esse negócio, abriu outra empresa para viabilizar a realização de shows de artistas.

Atuando também no show business, conheceu o rapper Drexter, de quem ficou amigo e foi padrinho de casamento.

Canuto afirma que seu apelido de “padrinho” no mundo da bola, visto por alguns como algo mafioso, vem daí. Produziu outros concertos e começou a ter contato com jogadores em camarotes de casas noturnas. Foi a porta aberta para voltar ao futebol antes de ser preso pela segunda vez.

Na penitenciá­ria, era procurado por garotos que acreditava­m na possibilid­ade de ele ajudá-los a serem aletas profission­ais. “Eu estava cansado de estar no lodo. Eu havia virado empresário de futebol e queria ser alguém. Fazer algo de bom na minha vida.”

Foi quando surgiu a ideia do livro, escrito à mão em um fichário com folhas que usava para escrever cartas à mulher, Patrícia, com quem está casado há 25 anos. Canuto tem uma filha, Brenda, e duas netas: Manuela e Marcela.

Ao sair da prisão, ele abriu a Fênix Esportes. A imagem do animal que renasce das cinzas é para ele, mas também para aquela que acredita ser sua especialid­ade: recuperar atletas de talento, mas que estão desmotivad­os após enfrentare­m problemas na carreira.

Por enquanto, tem 12 clientes. Paralelame­nte, dá palestras para empresas, organizaçõ­es sindicais e clubes de futebol contando sua história de vida. Gravou quase duas horas de depoimento para o que acredita que possa vir a se tornar uma série de televisão sobre um plano de fuga em uma penitenciá­ria.

Já recebeu também ofertas para escrever uma biografia em que contaria tudo o que sabe e viu nos mundos do crime, da polícia e do futebol. Isso ele ainda não está pronto para aceitar, mas reconhece que essa seria uma grande história.

O garoto pobre, negro e da periferia, quando não dá certo no futebol ou no samba, tem uma penitenciá­ria o esperando de braços abertos. Tem de tomar cuidado porque é uma boca de vulcão e você cai nela se se desequilib­rar Angelo Canuto Empresário e agente de jogadores de futebol

 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? Canuto diz que vida na prisão e no futebol têm semelhança­s
Karime Xavier/Folhapress Canuto diz que vida na prisão e no futebol têm semelhança­s

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