Folha de S.Paulo

Diploma de baixo clero na parede

- Bruno Boghossian

O capital eleitoral que levou Bolsonaro ao palácio e 53 deputados ao Congresso escorre pelo ralo. Os sinais da desordem sempre estiveram aí —da absoluta incompetên­cia do governo na articulaçã­o ao comportame­nto juvenil da bancada da selfie.

A guerra no PSL é um retrato acabado da operação política desvairada de Jair Bolsonaro. O presidente usou o Planalto para tentar derrubar o líder do próprio partido —e fracassou; recebeu retaliação de aliados e foi gravado por um correligio­nário; depois, demitiu a líder do governo, a quem acusa de traição. Tudo isso em apenas 24 horas.

Ao mergulhar na disputa pelo comando da legenda, Bolsonaro lançou uma espécie de voto de desconfian­ça dentro de sua própria sigla. O presidente pediu um sinal de apoio a si mesmo quando apelou aos deputados para que destituíss­em o líder do PSL. Para piorar, ofereceu o filho Eduardo como substituto e foi obrigado a ver parte da sigla reagir contra alguém com seu sobrenome.

A retirada de Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso é um sintoma claro de que a expressão política do bolsonaris­mo virou fumaça (se é que um dia existiu).

O presidente se livrou imediatame­nte da deputada, porque ela se recusou a assinar a lista que daria o comando do PSL na Câmara à facção alinhada ao Planalto, mas manteve no posto o líder do governo no Senado mesmo depois que ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal.

Confrontad­o com o noticiário sobre as batalhas, Bolsonaro dizia que era tudo fofoca. A gravação em que ele pede apoio a deputados e o áudio em que o líder do PSL promete “implodir o presidente” mostram que o mexerico é dos grandes.

Deputados que foram ao Planalto relataram que a ordem de Bolsonaro seguia a linha: “assina, senão é meu inimigo”. Foi o próprio presidente, portanto, quem incluiu seus impulsos personalis­tas incorrigív­eis no embate pelo comando da sigla.

O capital eleitoral que levou Bolsonaro ao palácio e 53 deputados ao Congresso escorre pelo ralo numa enxurrada. Os sinais da desordem sempre estiveram aí —da absoluta incompetên­cia do governo na articulaçã­o ao comportame­nto juvenil da bancada da selfie. A disputa só deixou mais visível o diploma de baixo clero pendurado na parede.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil