Folha de S.Paulo

Parlamento frustra Boris e adia brexit mais uma vez

Premiê enviou carta para Bruxelas pedindo adiamento da saída do bloco, mas se recusou a assiná-la

- Bruno Benevides

Na primeira sessão em um sábado em quase 40 anos, deputados britânicos aprovaram emenda que adia a votação sobre o acordo negociado entre Reino Unido e União Europeia. Na prática, a decisão fez o premiê Boris Johnson, a contragost­o, pedir novo prazo para deixar o bloco. Um milhão de pessoas, segundo organizado­res, foram às ruas por um novo plebiscito.

O Reino Unido se preparou para um dia histórico. Com transmissã­o pela TV e manifestan­tes pelas ruas de Londres, os parlamenta­res se reuniram para definir quando e como o brexit iria acontecer. Mas não foi dessa vez.

Na primeira sessão em um sábado em quase 40 anos, os deputados britânicos aprovaram uma emenda que adiou para a próxima semana a votação sobre o acordo negociado entre o governo britânico e a União Europeia que estabelece como ficarão as relações entre os dois após o divórcio.

Na prática, essa decisão obrigou o premiê Boris Johnson a pedir um novo adiamento do prazo para deixar o bloco —a saída atualmente está marcada para 31 de outubro.

Segundo uma lei aprovada em setembro, o Parlamento tinha até as 23h (19h no horário de Brasília) deste sábado (19) para aprovar um acordo de separação com a UE.

Como isso não aconteceu, o premiê é obrigado a enviar uma carta para Bruxelas (a sede da burocracia europeia) pedindo que a saída do bloco seja adiado por pelo menos 90 dias —ou seja, no mínimo até 31 de janeiro de 2020.

Boris enviou a carta com o pedido, porém, se negou a assiná-la. O premiê mandou também uma nota dizendo que não concordava com a extensão do prazo.

A emenda aprovada neste sábado recebeu 322 votos favoráveis e 306 contrários.

Ela estabelece­u que para o adiamento do brexit não acontecer, não bastava o Parlamento apenas aprovar o acordo negociado entre Boris e Bruxelas. Os deputados também teriam que aprovar todas as legislaçõe­s secundária­s sobre o assunto.

Não havia tempo, porém, para que essas leis fossem debatidas e votadas neste sábado, obrigando assim Boris a pedir um novo prazo. O objetivo tanto da emenda quanto da lei original é impedir que a saída da Europa aconteça sem um acordo (o “no deal”).

Em seu discurso após a derrota, o premiê retirou da pauta a votação do acordo em si, deixando este assunto para a próxima semana.

Inicialmen­te, Boris deu a entender que poderia desafiar o Parlamento e se recusar a pedir uma extensão do prazo, mas logo voltou atrás e avisou que pediria o adiamento.

Em uma carta enviada aos parlamenta­res britânicos, porém, o premiê deixou claro que não pretende se esforçar para que o pedido seja atendido pelos líderes europeus—o bloco está dividido quanto a essa questão.

“Eu direi à União Europeia o que já venho afirmando ao

povo britânico nos meus 88 dias no cargo de primeiro-ministro: um novo atraso não é uma solução”, escreveu ele.

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente do Conselho Europeu, já indicaram ser a favor da extensão do prazo. Mas o presidente francês, Emmanuel Macron, e o presidente da Comissão Europeia (o braço executivo da UE), Jean-Claude Juncker, são contra.

Caso a UE negue o adiamento, a tendência é que o “no deal” aconteça em 31 de outubro.

Enquanto os deputados britânicos não sabem o que fazer com o brexit, do lado de fora do Parlamento milhares de pessoas participar­am de uma manifestaç­ão que pedia um novo plebiscito sobre a saída do país da UE.

Com cartazes contra o governo de Boris e carregando bandeiras do bloco europeu, o grupo se concentrou no Park Lane, a algumas quadras da sede do Legislativ­o, onde o futuro do país era debatido. Segundo os organizado­res, 1 milhão de pessoas participar­am do ato.

James McGrory, diretor da campanha People’s Vote (organizado­ra da marcha), disse que o governo deveria ouvir o pedidodosm­anifestant­es. Ele também afirmou que o único meio de conter a ira da população contrária ao brexit é convocar nova consulta popular.

O plebiscito original sobre o brexit aconteceu em junho de 2016 e terminou com vitória da saída do país do bloco europeu com 51,89% dos votos válidos.

“Fco irritada que ninguém nos ouve”, disse à agência Reuters Hannah Barton, 56, uma das manifestan­tes. “Isto é um desastre nacional esperando para acontecer e que vai destruir a economia”, completou.

A diretora-geral do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), Kristalina Georgieva, afirmou na quinta-feira (17) que um brexit sem acordo entre Londres e Bruxelas pode custar entre 3,5% a 5% do PIB do Reino Unido e impactar em até 0,5% a economia da UE. Em caso de acordo, o PIB britânico seria afetado em 2%.

Foi exatamente para decidir sobre a aprovação ou não do acordo que os parlamenta­res se reuniram na sessão que ganhou o apelido de Super Sábado —o encontro começou às 9h30 locais (5h30 de Brasília).

Como já é tradição nos debatessob­reobrexitn­aCasa,oencontrof­oimarcadop­ortrocade insultos e ironias entre os grupos a favor e contra o acordo.

Conhecido pelos gritos de ordem, o presidente do Parlamento, John Bercow, se esgoelou pedindo que os deputados mantivesse­m a compostura.

Um dos momentos de maior tensão aconteceu quando o secretário responsáve­l pelo brexit, Stephen Barclay, mencionou a ex-deputada Mo Mowlam (1949-2005), líder histórica dos trabalhist­as na Irlanda do Norte e uma das responsáve­is pelo acordo de paz na região.

“Como você ousa”, gritaram os trabalhist­as, enquanto Barclay era obrigado a interrompe­r seu discurso.

Um dos maiores empecilhos para o brexit é a questão de como ficará a relação entre as vizinhas Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (país independen­te membro da UE) —a oposição diz que o governo não dá a devida atenção ao tema.

Mas houve também espaço para risadas, na melhor tradição do humor britânico. Isso graças a ex-primeira-ministra Theresa May (antecessor­a de Boris), que viu o acordo ser derrubado três vezes na Casa.

“Tenho uma certa sensação de déjà vu”, disse ela ao defender o novo pacto. Governo e oposição assentiram com a cabeça.

Com Reuters

“Eu direi à União Europeia o que já venho afirmando ao povo britânico nos meus 88 dias no cargo de primeiro-ministro: um novo atraso não é uma solução Boris Johnson em carta aos parlamenta­res depois da votação

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Simon Dawson/Reuters Manifestan­tes comemoram em Londres durante o anúncio de que o Parlamento aprovou a medida para adiar o brexit
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Jessica Taylor/UK Parliament/AFP O premiê britânico, Boris Johnson, acompanha os discursos durante a sessão no Parlamento

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