Folha de S.Paulo

Contestado na Bolívia, Evo busca quarto mandato

Impulsiona­do pela economia, presidente boliviano concorre a polêmico 4º mandato neste domingo

- Sylvia Colombo

Numa das travessas da avenida Panorámica, na cidade de El Alto, há um pequeno quiosque. Em meio a salgadinho­s, maços de cigarro, chips e acessórios para celular, Enrica Saucedo, 59, dá seu palpite para a eleição boliviana deste domingo (18).

“Preferia que Evo saísse. São muitos anos e muita corrupção. Por outro lado, eu e minha família não queremos viver o clima de quebradeir­as, dos protestos do passado. Se é para voltar a isso, melhor que ele fique”, resume.

O local em que trabalha é tão pequeno que só podem entrar dois fregueses por vez. Contrasta com o “cholet” ao lado, quetemumsa­lãodefesta­spara aluguel no térreo e uma barbearia e uma loja de lingeries no primeiro piso. Os andares superiores são de uso residencia­l.

Um “cholet” é um tipo de habitação e de negócio típico dos anos de gestão do esquerdist­a Evo Morales, 59. Antes, El Alto era apenas uma cidadedorm­itório, com menos comércio e habitada por uma classe média baixa e pobres.

Com a diminuição da pobreza e o aumento da classe média, muitos passaram a não querer sair do município quando melhoraram o padrão de vida, investindo ali mesmo.

Carlos Arano, 49, é um deles. Com a família, construiu esse “cholet” —mistura das palavras “cholo”, usada para se referir de modo pejorativo aos indígenas, e “chalet”—, cuja fachada, assim como a de outros edifícios da região, é colorida e revestida de muito vidro.

“Se não fosse por Evo, El Alto continuari­a a ser um lugar de pobrezaepe­núria.Hojeencont­ra-se tudo aqui, há um comércio pujante, as coisas são mais baratas que na capital, e vive-se mais em comunidade”, conta.

Com população de 2,3 milhões de pessoas e clima frio durante todo o ano, El Alto abriga migrantes de muitas partes da Bolívia que buscam um emprego em La Paz.

Por isso, é um bom termômetro de um país partido. Em seus muros, há frases como “se não Evo, quem?”, “basta de Evo”, “Evo para sempre” e “Evo ecocida” —em referência aos incêndios na Amazônia.

Neste domingo, mais de 7 milhões de bolivianos irão às urnas para decidir se querem ou não que o mandatário, no poder desde 2006, siga no poder por mais cinco anos.

O líder indígena de origem aymara teve de apelar ao Tribunal Constituci­onal da Bolívia com o argumento de que teria um direito humano violado caso não pudesse seguir competindo. Isso porque a Constituiç­ão boliviana permite apenas uma reeleição consecutiv­a. Ganhou a batalha de interpreta­ção legislativ­a e está concorrend­o.

“Isso é uma fraude, é uma candidatur­a ilegal”, disse, em entrevista à Folha, em agosto, Carlos Mesa, 66, aquele que quer impedir o avanço de Evo.

Ex-presidente, o centro-esquerdist­a vem atraindo os votos de quem crê que uma reeleição, nessas condições, seria um ataque à democracia.

Estão com ele parte do eleitorado urbano, que realizam atos para que seja respeitado o referendo de 2016, cujo resultado foi “não” à ambição de Evo de concorrer outra vez, e indígenas que se desiludira­m com o presidente.

As pesquisas na Bolívia são pouco confiáveis, pois os institutos têm dificuldad­es de ir até certas regiões afastadas do país para coletar os dados.

Ainda assim, os principais levantamen­tos, como o da Ipsos, divulgado no último fim de semana, apontam vitória de Evo com 40% dos votos —seguido porMesa,bematrás,com22%.

Segundo a lei eleitoral boliviana, para ganhar em primeiro turno o candidato precisa obter 50% mais um voto, ou 40%, desde que com diferença de dez pontos percentuai­s para o segundo colocado.

Outros institutos, porém, como o Ciesmori, mostram 36,2% para Evo contra 26,9% de Mesa. Se o resultado se confirmar, haverá segundo turno em 15 de dezembro e uma batalha pelos eleitores do terceiro colocado, o senador direitista Óscar Ortiz, que tem 7,9% das intenções de voto.

Outro fator de incerteza é o fato de que todas as pesquisas mostram um alto índice de indecisos, entre 20% a 30%.

A favor de Evo está uma economia que vai bem, embora não cresça no ritmo acelerado do passado. Para este ano, o Fundo Monetário Internacio­nal prevê cresciment­o de 3,9% do PIB. Ou seja, mais que Chile, Peru, Argentina e Brasil. Além disso, a pobreza foi reduzida de 60% para 35%.

Por fim, desde que assumiu o poder, os conflitos entre Estado e sindicatos, que tanto sacudiram a Bolívia e causaram distúrbios nas ruas, foram em sua maioria apaziguado­s.

Contra Evo, há acusações de corrupção, ataques à imprensa, alto índice de feminicídi­o e violência doméstica no país e a reação lenta aos incêndios na Amazônia boliviana, que destruíram 4 milhões de hectares.

A região mais afetada, a de Santa Cruz de la Sierra, costumavaa­brigarseus­maisferoze­s opositores.Evohaviaco­nseguidoch­egaraumaal­iançacomes­se setor nos últimos anos, mas a insatisfaç­ão com as queimadas voltou a criar resistênci­as.

“Dizem que eu sou um populista. Mas o que é ser um populista? É estar junto ao povo? Então, sim, sou”, disse, em entrevista à Folha em agosto.

Já Mesa conta com o apoio dos que defendem que Evo aplicou um “golpe” ao concorrer a um quarto mandato. Também é tido como alguém moderado, além de culto —tem formação de historiado­r e é autor de vários livros.

Contra Mesa está o fato de não ser tão popular em regiões afastadas do país e de ter renunciado em meio a uma situação de conflito social, o que, para muitos, fez com que fosse rotulado de medroso.

“Evo tem mais chances se ganhar no primeiro turno. Se houver segundo turno, pode ser que a coisa se complique para ele. Porém, não se pode esquecer que ele tem o aparato público, e com isso tudo fica mais fácil”, afirma o analista político Fernando Molina.

 ?? Pedro Ugarte - 16.out.19/AFP ?? O presidente Evo Morales discursa em comício na cidade de El Alto durante campanha à reeleição na Bolívia
Pedro Ugarte - 16.out.19/AFP O presidente Evo Morales discursa em comício na cidade de El Alto durante campanha à reeleição na Bolívia
 ?? Aizar Raldes - 8.out.19/AFP ?? Um dos chamados ‘cholet’ em El Alto
Aizar Raldes - 8.out.19/AFP Um dos chamados ‘cholet’ em El Alto

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