Folha de S.Paulo

Ciclo de juro baixo será longo e alterará estrutura econômica

Crédito mais barato começa a mudar perfil de investidor­es; retomada do cresciment­o passa por agenda de reformas

- Eduardo Cucolo e Tássia Kastner

O Brasil vive um processo de redução dos juros que deverá se manter por muito tempo, com potencial de aumentar a produtivid­ade da economia e ofertar alternativ­as de investimen­tos hoje considerad­as inviáveis.

Para economista­s ouvidos pela Folha, já há reflexos no setor imobiliári­o e na mudança de aportes por pessoas físicas e empresas.

Uma retomada do cresciment­o sem pressão sobre os juros passa, no entanto, pela ampliação da agenda de reformas e pelo equilíbrio das contas públicas.

É preciso ainda, na visão dos especialis­tas, garantir que o crédito mais barato chegue de fato a consumidor­es e companhias por meio do aumento da competição no mercado financeiro.

Diante da taxa Selic em queda, quem dispõe de algum patrimônio acumulado e não se contenta com rendimento­s que mal batem a inflação tem migrado para opções como fundos multimerca­dos e imobiliári­os ou a Bolsa.

O Brasil está em meio a um processo de redução das taxas de juros que deverá se manter por muito tempo, com potencial para aumentar o nível de produtivid­ade da economia e abrir espaço para alternativ­as de investimen­tos que atualmente são considerad­as inviáveis.

Essa avaliação é compartilh­ada por uma série de economista­s ouvidos pela Folha, que já enxergam os primeiros reflexos dessa mudança no setor imobiliári­o e na realocação de investimen­tos de pessoas físicas e empresas.

Para que isso se traduza em uma recuperaçã­o vigorosa da economia, sem que ocorra pressão sobre os juros, há, no entanto, alguns desafios. Entre eles, ampliar a agenda de reformas econômicas iniciada em 2016, com objetivo de aumentar a produtivid­ade, equacionar o problema nas contas públicas e garantir que, efetivamen­te, o crédito mais barato chegue a consumidor­es e empresas por meio do aumento da competição no mercado financeiro.

José Márcio Camargo, professor do Departamen­to de Economia da PUC-Rio e economista da Genial Investimen­tos, afirma que o país já fez um conjunto importante de reformas estruturai­s, como o teto de gastos e a revisão da lei trabalhist­a, e o governo está se propondo a manter esse processo, reformando a Previdênci­a e enviando ao Congresso a proposta de reforma administra­tiva e o Pacto Federativo.

“O país está passando por um processo de reformas estruturai­s importante­s, e todas vão na direção de resolver o problema fiscal e dar mais eficiência à economia do ponto de vista produtivo. Se essa trajetória persistir, e não tiver nenhum retrocesso, nossa expectativ­a é que vamos ter taxas de juros muito baixas durante muito tempo”, afirma o economista.

José Márcio estima que a taxa de juros real neutra ou de equilíbrio da economia (que permite cresciment­o robusto sem gerar inflação), esteja hoje em 2,1%, nível próximo à diferença atual entre juros e inflação, e que ela cairá mais ainda nos próximos meses.

“Dado o grau de ociosidade e que a economia está crescendo pouco, a nossa avaliação é que o Banco Central vai fazer com que a Selic fique abaixo da taxa neutra. Já está basicament­e no nível da taxa neutra e acreditamo­s que vão reduzir ainda mais.”

José Márcio afirma que, quando a economia retomar o cresciment­o, o desemprego cair mais e houver redução da ociosidade, se o juro real ainda estiver abaixo da taxa neutra, o Banco Central deverá aumentar lentamente os juros, que não devem voltar aos níveis elevados que marcaram as últimas décadas. Segundo ele, será um efeito do ciclo econômico, não de um problema estrutural, como era até três anos atrás.

Os juros baixos levarão a uma mudança profunda na economia. “Teremos uma economia completame­nte diferente do padrão que estávamos acostumado­s. Isso aumenta o potencial de cresciment­o, por um lado, e disponibil­iza recursos para investimen­tos de maior risco.”

Para Bráulio Borges, economista sênior da consultori­a LCA, o juro real brasileiro deve se consolidar ao redor dos 3,5% ao ano, o que levaria a Selic para uma faixa de 6% a 7% assim que a economia começara apresentar cresciment­o mais robusto e sustentado.

“É bem mais que o zero que agente vai ver agora, ma sé praticamen­te metade da nossa taxa histórica”, afirma.

Atualmente o PIB (Produto Interno Bruto) cresce ao redor de 1% e as projeções para 2020 apontam para alta de 2%, ancorada em juros baixos.

Essa nova taxa de juro de equilíbrio estaria baseada na mudança mais sólida de política econômica do país, com um governo de gastos mais moderados. “Não estou falando que ela vá ser contracion­ista, mas também não será persistent­emente expansioni­sta”, acrescenta.

O diretor de Estudos e Políticas Macroeconô­micas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), José Ronaldo Souza Júnior, afirma que aquedados juros está ligada a fatores estruturai­s, como o compromiss­o do atual governo coma responsabi­lidade fis cale a credibilid­ade do Banco Central, e conjuntura­is, como o baixo cresciment­o da economia brasileira e aquedados juro sem vários outros países.

Segundo ele, com o cresciment­o do PIB abaixo do potencial, é necessário ter uma política monetária que estimule a economia, coma taxa de juros abaixo da taxa neutra.

“Agente nunca teve uma taxa tão baixa deforma sustentáve­l. N afrente vai aumentar, mas aumentar pouco. Foi uma queda lastreada em mudanças. É justificáv­el. É mais estrutural doque conjuntura­l ”, diz o economista.

O diretor do Ipea afirma que nãoéimposs­í velo Brasil chegara uma situação de taxa de juros real negativa, mas não trabalha com esse cenário.

“Dificilmen­te agente imaginaria taxa de juros real negativa. Por um tempo, pode até ficar próxima de zero, mas não vai durar muita coisa. A economia deve ser recuperar dessa capacidade ociosa.”

Borges, da LCA, avalia que a capacidade ociosa é um dos fatores que contribui para manter o juro baixo de maneira sustentada quando a economia retomar. Eque o cresciment­o da economia consumindo essa ociosidade, ajudaria o país no ajuste fiscal.

Istvan Kasznar, professor da FGV EBAPE (Escola Brasileira de Administra­ção Pública e de Empresas), afirma que, se o governo conseguir melhorar o quadro fiscal, será possível conter pressões inflacioná­rias emantes os juros em patamares baixos.

“Neste momento, não há pressão de preços. No ano que vem, talvez a economia cresça de 2% a 2,5%. Então, haverá um pouco mais de demanda. Pode ser que a inflação suba um pouco, mas não tanto quanto antes.”

A ausência de pressão inflacioná­ria, algo que a economia brasileira desconhece,éo que dá autonomia para o BC atuar neste ciclo recessivo. Entre 2015 e 2016, o país estava em crise e ainda assim sofria coma inflação alta.

José Júlio Senna, chefe do centro de estudos monetários do FGV/Ibre e ex-diretor do Banco Central, afirma que estaéa primeira vezem que o BC não “está remando contra amaré” e pode us arda política monetária.

Ele reforça, porém, que “nunca sabe quando o fiscal vai de fato pegar”.

“Of isca lé indiscutiv­elmente importante, e a inflação tem um componente psicológic­o. Se o clima vira, é uma encrenca”, diz Senna, ainda reforçando que não vê isso ocorrer no curto prazo.

Lei amais nasp.3e 6

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