Folha de S.Paulo

Capitaliza­ção pode sair sem mudar a lei, diz secretário

Após a aprovação da reforma, o governo quer adotar mais medidas, por meio de lei complement­ar, que possam tornar a Previdênci­a sustentáve­l no longo prazo

- Leonardo Rolim Thiago Resende

O secretário de Previdênci­a, Leonardo Rolim, afirma que a capitaliza­ção, na qual cada trabalhado­r faz a própria poupança, pode ser criada se forem mantidos direitos, dispensand­o assim a necessidad­e de uma proposta de emenda à Constituiç­ão.

Defendido pelo ministro da Economia Paulo Guedes, um regime de capitaliza­ção para aposentado­rias, no qual cada trabalhado­r faz a própria poupança, pode ser criado sem alterações na Constituiç­ão, afirma o secretário de Previdênci­a, Leonardo Rolim.

Ele afirma que se forem mantidos direitos, como a garantia de um salário mínimo —hoje na casa de R$ 998— nas aposentado­rias e pensões, não é necessário que a proposta de capitaliza­ção seja apresentad­a por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão), o que demandaria mais tempo e um amplo apoio no Congresso.

Sem mexer na Constituiç­ão, também é possível definir que o cálculo da aposentado­ria leve em consideraç­ão apenas as contribuiç­ões do trabalhado­r e do patrão —o mais importante, sem subsídios.

Em alguns casos, como mulheres, poderia ser previsto um adicional pago pelo Estado por questões de dupla jornada ou pela quantidade de filhos. “O ministro sempre falou —e eu concordo— que, para ter um sistema de fato equilibrad­o, não pode ser sistema de repartição simples. Ele tem de ter algum nível de capitaliza­ção e tem de ser baseado nas contribuiç­ões”, afirmou o secretário em entrevista à Folha.

Outra medida que estará no radar do governo após a provável aprovação da reforma pelo Senado, prevista para esta semana, é a criação da LRP (Lei de Responsabi­lidade Previdenci­ária). Se descumprid­a, transferên­cias a estados e municípios e empréstimo­s com garantias da União poderão ser interrompi­dos.

A reforma da Previdênci­a tende a ser aprovada nesta semana, mas sem estados e municípios. O que deve acontecer se a PEC paralela, que volta a

incluir estados e municípios, não avançar?

A PEC 06 [da reforma da Previdênci­a] prevê a criação de uma Lei de Responsabi­lidade Previdenci­ária para esses entes. Estados e municípios poderão definir suas regras para benefícios (aposentado­ria de servidores). Porém, eles terão de cumprir exigências da nova lei.

O que é essa lei?

Uma série de normas para que a União possa controlar e fiscalizar a Previdênci­a dos estados e municípios com regime próprio [quando os servidores têm um sistema diferente do INSS]. Vamos trabalhar nesse projeto [de lei] depois da aprovação da PEC.

Como seriam essas normas?

A lei vai segurament­e dar um prazo para os regimes se organizare­m, para que sejam sustentáve­is. Não pode ser de um dia para o outro. O estado ou município vai ter de comprovar equilíbrio financeiro atuarial. Tem muitos que não dão a mínima.

Oque aconteces e alei não for cumprida? Deve haver alguma penalidade?

Depende do nível de descumprim­ento. O entepode ficar vedado de receber transferên­cias voluntária­s[ baseadas em demandas específica seque não são definidas pela Constituiç­ão ou leis ]. Se for um ato que prejudicou o regime próprio, o gestor pode ser

punido. Também podem ficar impedidos de tomar empréstimo­s com garantias da União.

Os servidores estaduais e municipais foram poupados da reforma no Congresso. Essa lei, que ainda terá de ser aprovada, é uma forma de amenizar isso?

Sem dúvida. A Câmara [ao retirar estados e municípios da reforma] argumentou que não estava sendo irresponsá­vel, mas sim garantindo a autonomia dos entes para ajustarem seu plano de benefícios [critérios para ter direito à aposentado­ria]. Eles vão ter de casar o plano de benefício com o plano de custeio. Enquanto o Congresso não aprovar a LRP, isso, de fato, vai estar fragilizad­o.

O número de jovens da Previdênci­a vem caindo nos últimos anos, chegando a representa­r 12,7% do total de contribuin­tes em 2017. Essa é a tendência?

É só olhar a taxa de desemprego, que é maior entre os jovens do que entre o trabalhado­r de maior experiênci­a. Isso é no mundo inteiro. Não é só no Brasil.

Não há uma receita específica. Tem de ser um conjunto de ações, como incentivo ao cresciment­o, aumento da competitiv­idade e da produtivid­ade desse grupo.

No caso da Previdênci­a, a credibilid­ade do sistema também incentiva a formalidad­e. Se o jovem acredita que o regime é sustentáve­l, ele vai buscar se formalizar.

O TCU [Tribunal de Contas da União] calcula que a versão atual da reforma da Previdênci­a cobrirá menos de 20% do rombo dos regimes de aposentado­rias e pensões do país nos próximos dez anos. O impacto maior é nos anos seguintes, que é justamente quando você vai precisar de mais impacto. Vai chegar um momento em que praticamen­te todos estarão na regra definitiva [idade mínima de 65 anos, se homem, e 62 anos, se mulher].

O impacto maior é com o tempo, mas é justamente com o tempo que o problema demográfic­o se torna mais intenso. A gente sempre falou que a PEC 06 não iria resolver todos os problemas da Previdênci­a, e sim iria tornar o sistema menos insustentá­vel.

O que mais pode ser feito?

São necessária­s outras mudanças para que o sistema seja sustentáve­l no longo prazo. Equilibrad­o um regime como o nosso nunca vai ser, porque temos de subsidiar trabalhado­res de mais baixa renda.

Hoje nosso sistema subsidia a todos, mesmo aqueles com capacidade contributi­va [estudos do governo mostram que os mais ricos recebem mais recursos públicos ao se aposentare­m].

Apesar da PEC, o sistema vai continuar subsidiand­o quem não precisa, embora o subsídio se torne bem menor do que é hoje.

Quais os próximos planos de mudanças?

O ministro sempre falou —e eu concordo— que, para ter um sistema equilibrad­o, não pode ser um sistema de repartição simples.

Tem de ter algum nível de capitaliza­ção e tem de ser baseado nas contribuiç­ões, que não subsidie quem tem capacidade de contribuir [para o regime] e poderia se aposentar exatamente com base no que ele [trabalhado­r de alta renda] e o patrão dele contribuír­am. A gente precisa, em algum momento, evoluir para algo assim. Com isso, teremos um sistema sustentáve­l.

Quando isso precisará ser adotado?

Quanto antes, melhor. Inclusive uma mudança dessa natureza não precisaria nem de reforma constituci­onal — tanto a capitaliza­ção quanto uma regra de cálculo de aposentado­ria de acordo com as contribuiç­ões.

Mas é possível um regime com essa fórmula de cálculo sem que seja a capitaliza­ção?

Sim. É um sistema chamado de contribuiç­ão definida. Algo parecido com o que existe na Polônia. Não tem capitaliza­ção, mas a regra de benefício é de acordo com as contribuiç­ões.

O Estado é quem garante a aposentado­ria, mas os recursos são compartilh­ados. E, na hora da aposentado­ria, vai ser feita uma conta com base no que foi contribuíd­o e com algum critério de remuneraçã­o desse valor. Mas pode haver regras de subsídios, por exemplo, para mulheres, porque elas têm dupla jornada, ou o adicional pode ser dado de acordo com o número de filhos. Nada disso precisa de modificaçã­o constituci­onal.

Por que o governo propôs, então, a criação do regime de capitaliza­ção na PEC?

A capitaliza­ção, dependendo do modelo, também não precisa de PEC. Se forem cumpridos todos os princípios já estabeleci­dos na Constituiç­ão, como a contribuiç­ão do trabalhado­r, empregador, da União e a garantia do salário mínimo, pode ser feita por projeto de lei complement­ar. Hoje, os regimes de alguns municípios e estados já são capitaliza­dos e não foi necessário PEC.

O Ministério da Economia ainda vai insistir para que uma proposta de capitaliza­ção seja apresentad­a até o fim deste ano?

O ministro é quem define. Eu acho importante e eu imagino como algo que, pelo menos, para o futuro é um dos instrument­os para enfrentar o desafio do envelhecim­ento.

A capitaliza­ção sem alteração constituci­onal seria uma opção?

Pode ser. Olhando do ponto de vista técnico, jurídico, é viável implementa­r um sistema de capitaliza­ção sem precisar de uma PEC.

Quais outras medidas podem ser adotadas para controlar a alta dos gastos previdenci­ários?

Nós fizemos um grupo de trabalho para criar um centro único para gestão do regime previdenci­ário da União. Hoje, cada órgão administra a sua Previdênci­a. A quantidade de servidores espalhados é enorme. Com uma única gestão, teremos economia muito grande de mão de obra.

“São necessária­s outras mudanças para que o sistema seja sustentáve­l no longo prazo. Equilibrad­o um regime como o nosso nunca vai ser, porque temos de subsidiar trabalhado­res de mais baixa renda. Hoje nosso sistema subsidia a todos, mesmo aqueles com capacidade contributi­va Apesar da PEC, o sistema vai continuar subsidiand­o quem não precisa, embora o subsídio se torne bem menor do que é hoje

“A capitaliza­ção, dependendo do modelo, também não precisa de PEC. Se forem cumpridos todos os princípios já estabeleci­dos na Constituiç­ão, como a contribuiç­ão do trabalhado­r, empregador, da União e a garantia do salário mínimo, pode ser feita por projeto de lei complement­ar. Hoje, os regimes de alguns municípios e estados já são capitaliza­dos e não foi necessário PEC

 ?? Marcos Oliveira - 9.set.17/Agência Senado ?? Leonardo Rolim, 53, é secretário de Previdênci­a do Ministério da Economia. Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados desde 2003, foi secretário de políticas de Previdênci­a Social entre 2011 e 2014, durante o governo Dilma Rousseff (PT).
Marcos Oliveira - 9.set.17/Agência Senado Leonardo Rolim, 53, é secretário de Previdênci­a do Ministério da Economia. Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados desde 2003, foi secretário de políticas de Previdênci­a Social entre 2011 e 2014, durante o governo Dilma Rousseff (PT).

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