Crise do PSL afeta relação do Planalto com CCJ da Câmara
Visto até então como aliado do Planalto, deputado Felipe Francischini, que preside a CCJ, faz críticas abertas ao governo em um áudio vazado
As críticas do deputado Felipe Francischini (PSLPR) a Jair Bolsonaro causaram temor no Planalto, onde era visto como aliado. Ele preside a CCJ, comissão mais importante da Câmara. Hoje, pedido de suspensão do deputado Eduardo Bolsonaro deve agravar o conflito.
“A gente foi tratado que nem cachorro desde que ele ganhou a eleição. Nunca atendeu a gente em porra nenhuma.”
Foi com essa declaração —capturada pelo deputado Daniel Silveira (RJ) durante reunião da bancada do PSL— que o deputado Felipe Francischini (PR) deixou transparecer, em meio à guerra aberta da sigla com o Palácio do Planalto, seu incômodo com o governo Jair Bolsonaro (PSL).
A fala de Francischini respingou como pólvora no Planalto, onde ele era visto como um aliado, em especial por presidir a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a comissão mais importante da Câmara.
Todos os projetos devem ser avaliados na CCJ quanto à sua constitucionalidade antes de poderem avançar na Casa. Foi o caso, por exemplo, da reforma da Previdência, aprovada na comissão em abril. Cabe ao presidente, entre outras coisas, conduzir a agenda de pauta de votação do colegiado.
À época da Previdência, Francischini já demonstrava irritação com o governo. “O que me deixa perplexo é essa falta de estratégia mesmo”, afirmou a jornalistas durante intervalo de uma das sessões. Ele reclamou a colegas que estava sendo cobrado para agir como líder de governo e que estava “tomando tiro” para defender a reforma sem ajuda.
Com a reforma aprovada, a CCJ ainda tem na pauta projetos caros ao Planalto, como a PEC (proposta de emenda à Constituição) para controlar o aumento de gastos públicos.
Francischini também reclamou de falta de articulação nesse caso. “Toda vez que eu tento entrar no item, falta apoio. Vou colocar na pauta de novo quando o governo pedir, quando o governo mostrar que tem intenção de fazer e conversar com os deputados”, disse à Folha em setembro.
Na segurança, a comissão também tem projetos relevantes. Um é o do excludente de ilicitude (que abre brechas para policiais matarem em confronto), que foi retirado pelo grupo de trabalho do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), mas que pode vir a ser aprovado por outro meio.
De acordo com relatos feitos à Folha, aliados de Bolsonaro ficaram irritados com o tom das declarações de Francischini, que foi gravado dizendo que o racha do partido começouporBolsonaro.“Eleque começou a fazer a putaria toda falando que todo mundo é corrupto”, disse o deputado.
“Ele [Bolsonaro] fode o partido, fode a bancada, expõe a gente em rede social. Daí a gente vai lá e [inaudível] a liderança para ele achar que está tudo bem? Então, porra, o que ele está oferecendo? Ele só liga quando precisa de ajuda para foder com alguém?”, reclamou.
O caso pode ter implicações nas votações da CCJ, mas também no comando da comissão. No início da legislatura, em fevereiro, foi acordado que o PSL teria a presidência pelos próximos quatro anos.
No primeiro ano, Francischini seria o presidente, e no segundo, a deputada Bia Kicis (DF). O racha pode pôr fim a esse acordo, já que Bia está na ala pró-Bolsonaro, enfraquecida na legenda. Agora, um dos cotados para comandar o colegiado no ano que vem é o deputado Coronel Tadeu (SP).
Bia deve ser, inclusive, destituída da chefia do diretório do PSL no Distrito Federal pelo comando nacional do partido, hoje nas mãos do deputado Luciano Bivar (PE), desafeto de Bolsonaro.
Em meio a ataques, Francischini se defendeu de acusações de ter “surfado na onda” bolsonarista.
“Eu tenho a minha postura, eu não estou tomando lado de partido por interesse próprio, primeiro porque eu não sou nem da Executiva do estado do meu partido”, disse na sexta (18), pouco antes de reunião da direção do PSL para discutir a crise com o Planalto.
Ele também nega a pecha de traidor. “Com o governo, as minhas críticas construtivas são abertas. A minha agenda, tudo está postado nas minhas redes sociais.”
Irritou aliados do Planalto o fato de Francischini ter dito, durante a reunião do PSL gravada, que participou de jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tratar de possível fusão do partido com o DEM. O deputado afirmou, porém, que tenta barrar o processo para evitar perda de fundo partidário.
No encontro do partido na sexta-feira, Francischini tentou apaziguar os ânimos.
“Eu me acostumei a trabalhar na CCJ sozinho. A regra de ouro eu tentei passar no mês passado, vocês acompanharam, não tinha ninguém para me ajudar. Tive que tirar de pauta porque a obstrução estava gigantesca. Se tem uma pessoa que pode fazer uma crítica construtiva a todos os lados sou eu”, disse.
Assessores palacianos dizem não saber de que lado Francischini está e que o clima é de quebra de confiança.
A briga pelo poder no PSL colocou em campos opostos bolsonaristas e apoiadores de Bivar. Bolsonaro e o deputado pernambucano entraram em rota de colisão na semana passada, quando o presidente disse a um apoiador que Bivar está “queimado pra caramba”.
O chefe da sigla também foi alvo de operação da Polícia Federal que investiga esquema de candidaturas laranjas, caso revelado pela Folha.
Bolsonaro passou a pedir transparência na legenda. Ele manobrou para destituir o atual líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e emplacar ofilhoEduardoBolsonaro(SP). Até agora, o plano fracassou.
Em resposta às investidas, a ala opositora a Bolsonaro suspendeu cinco deputados e ampliou o poder de Bivar. Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro (RJ) devem ser tirados do comando dos diretórios de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Ao deixar o Palácio da Alvorada na noite deste sábado (19) para viajar para o Japão, Bolsonaro foi perguntado se, na volta da viagem, ainda vai estar no PSL. “Pergunta pra eles”, respondeu.