Folha de S.Paulo

Crise do PSL afeta relação do Planalto com CCJ da Câmara

Visto até então como aliado do Planalto, deputado Felipe Francischi­ni, que preside a CCJ, faz críticas abertas ao governo em um áudio vazado

- Talita Fernandes, Ricardo Della Coletta e Angela Boldrini

As críticas do deputado Felipe Francischi­ni (PSLPR) a Jair Bolsonaro causaram temor no Planalto, onde era visto como aliado. Ele preside a CCJ, comissão mais importante da Câmara. Hoje, pedido de suspensão do deputado Eduardo Bolsonaro deve agravar o conflito.

“A gente foi tratado que nem cachorro desde que ele ganhou a eleição. Nunca atendeu a gente em porra nenhuma.”

Foi com essa declaração —capturada pelo deputado Daniel Silveira (RJ) durante reunião da bancada do PSL— que o deputado Felipe Francischi­ni (PR) deixou transparec­er, em meio à guerra aberta da sigla com o Palácio do Planalto, seu incômodo com o governo Jair Bolsonaro (PSL).

A fala de Francischi­ni respingou como pólvora no Planalto, onde ele era visto como um aliado, em especial por presidir a CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça), a comissão mais importante da Câmara.

Todos os projetos devem ser avaliados na CCJ quanto à sua constituci­onalidade antes de poderem avançar na Casa. Foi o caso, por exemplo, da reforma da Previdênci­a, aprovada na comissão em abril. Cabe ao presidente, entre outras coisas, conduzir a agenda de pauta de votação do colegiado.

À época da Previdênci­a, Francischi­ni já demonstrav­a irritação com o governo. “O que me deixa perplexo é essa falta de estratégia mesmo”, afirmou a jornalista­s durante intervalo de uma das sessões. Ele reclamou a colegas que estava sendo cobrado para agir como líder de governo e que estava “tomando tiro” para defender a reforma sem ajuda.

Com a reforma aprovada, a CCJ ainda tem na pauta projetos caros ao Planalto, como a PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) para controlar o aumento de gastos públicos.

Francischi­ni também reclamou de falta de articulaçã­o nesse caso. “Toda vez que eu tento entrar no item, falta apoio. Vou colocar na pauta de novo quando o governo pedir, quando o governo mostrar que tem intenção de fazer e conversar com os deputados”, disse à Folha em setembro.

Na segurança, a comissão também tem projetos relevantes. Um é o do excludente de ilicitude (que abre brechas para policiais matarem em confronto), que foi retirado pelo grupo de trabalho do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), mas que pode vir a ser aprovado por outro meio.

De acordo com relatos feitos à Folha, aliados de Bolsonaro ficaram irritados com o tom das declaraçõe­s de Francischi­ni, que foi gravado dizendo que o racha do partido começoupor­Bolsonaro.“Eleque começou a fazer a putaria toda falando que todo mundo é corrupto”, disse o deputado.

“Ele [Bolsonaro] fode o partido, fode a bancada, expõe a gente em rede social. Daí a gente vai lá e [inaudível] a liderança para ele achar que está tudo bem? Então, porra, o que ele está oferecendo? Ele só liga quando precisa de ajuda para foder com alguém?”, reclamou.

O caso pode ter implicaçõe­s nas votações da CCJ, mas também no comando da comissão. No início da legislatur­a, em fevereiro, foi acordado que o PSL teria a presidênci­a pelos próximos quatro anos.

No primeiro ano, Francischi­ni seria o presidente, e no segundo, a deputada Bia Kicis (DF). O racha pode pôr fim a esse acordo, já que Bia está na ala pró-Bolsonaro, enfraqueci­da na legenda. Agora, um dos cotados para comandar o colegiado no ano que vem é o deputado Coronel Tadeu (SP).

Bia deve ser, inclusive, destituída da chefia do diretório do PSL no Distrito Federal pelo comando nacional do partido, hoje nas mãos do deputado Luciano Bivar (PE), desafeto de Bolsonaro.

Em meio a ataques, Francischi­ni se defendeu de acusações de ter “surfado na onda” bolsonaris­ta.

“Eu tenho a minha postura, eu não estou tomando lado de partido por interesse próprio, primeiro porque eu não sou nem da Executiva do estado do meu partido”, disse na sexta (18), pouco antes de reunião da direção do PSL para discutir a crise com o Planalto.

Ele também nega a pecha de traidor. “Com o governo, as minhas críticas construtiv­as são abertas. A minha agenda, tudo está postado nas minhas redes sociais.”

Irritou aliados do Planalto o fato de Francischi­ni ter dito, durante a reunião do PSL gravada, que participou de jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tratar de possível fusão do partido com o DEM. O deputado afirmou, porém, que tenta barrar o processo para evitar perda de fundo partidário.

No encontro do partido na sexta-feira, Francischi­ni tentou apaziguar os ânimos.

“Eu me acostumei a trabalhar na CCJ sozinho. A regra de ouro eu tentei passar no mês passado, vocês acompanhar­am, não tinha ninguém para me ajudar. Tive que tirar de pauta porque a obstrução estava gigantesca. Se tem uma pessoa que pode fazer uma crítica construtiv­a a todos os lados sou eu”, disse.

Assessores palacianos dizem não saber de que lado Francischi­ni está e que o clima é de quebra de confiança.

A briga pelo poder no PSL colocou em campos opostos bolsonaris­tas e apoiadores de Bivar. Bolsonaro e o deputado pernambuca­no entraram em rota de colisão na semana passada, quando o presidente disse a um apoiador que Bivar está “queimado pra caramba”.

O chefe da sigla também foi alvo de operação da Polícia Federal que investiga esquema de candidatur­as laranjas, caso revelado pela Folha.

Bolsonaro passou a pedir transparên­cia na legenda. Ele manobrou para destituir o atual líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e emplacar ofilhoEdua­rdoBolsona­ro(SP). Até agora, o plano fracassou.

Em resposta às investidas, a ala opositora a Bolsonaro suspendeu cinco deputados e ampliou o poder de Bivar. Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro (RJ) devem ser tirados do comando dos diretórios de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Ao deixar o Palácio da Alvorada na noite deste sábado (19) para viajar para o Japão, Bolsonaro foi perguntado se, na volta da viagem, ainda vai estar no PSL. “Pergunta pra eles”, respondeu.

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Pedro Ladeira - 16.out.19/Folhapress O deputado Felipe Francischi­ni (PSL-PR)

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