Folha de S.Paulo

Fora da prisão, Lula planeja atuar como pacificado­r

Petista pode ser beneficiad­o por dois julgamento­s no Supremo e fala em trabalhar por unidade nacional

- Thais Arbex

O ex-presidente tem dito a aliados que, na hipótese de deixar a prisão em breve, pretende rodar o país e assumir papel de pacificado­r nacional. A expectativ­a ocorre no momento em que o STF retoma julgamento sobre prisão em segunda instância.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dito a aliados que, na hipótese de deixar a prisão em breve, pretende rodar o Brasil e assumir o papel do que tem chamado de “fio condutor da pacificaçã­o nacional”.

A expectativ­a pela liberdade ocorre no momento em que o STF (Supremo Tribunal Federal) inicia o julgamento sobre a constituci­onalidade da prisão de condenados em segunda instância, e a Segunda Turma da corte se prepara para retomar a discussão sobre a alegada suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que pode levar à anulação da condenação do petista no caso do tríplex de Guarujá.

Em conversas recentes na sede da Superinten­dência da Polícia Federal em Curitiba, Lula tem adotado o discurso de que é preciso trabalhar pela unidade nacional e dar um basta ao clima de beligerânc­ia que se acentuou no país desde a eleição de 2018.

“Lula em liberdade é um agente político importante e vai ter, obviamente, um papel relevante não só para o PT mas também para o Brasil”, disse a presidente da sigla, deputada Gleisi Hoffmann (PR).

“O povo brasileiro tem confiança no Lula —principalm­ente o povo pobre— e isso dá a ele condições de ter uma atuação política de enfrentame­nto mais sistemátic­o a tudo que está acontecend­o e à destruição a que o país está sendo submetido”, afirmou.

Embora Lula possa ser beneficiad­o ao final do julgamento no STF das ações que discutem se é constituci­onal prender condenados antes de esgotados todos os recursos, o ex-presidente aposta que o Supremo vai referendar a tese de falta de imparciali­dade de Moro, hoje ministro da Justiça, na condução do processo do tríplex. Nesse caso, a sentença pode ser anulada e o caso voltaria aos estágios iniciais.

Com isso, Lula sairia da cadeia e também teria de volta os seus direitos políticos, cassados após a condenação em segunda instância, como determina a Lei da Ficha Limpa.

Nesse cenário, dizem aliados do petista, está a eleição presidenci­al de 2022. A avaliação é a de que, hoje, só Lula tem força para derrotar Bolsonaro e a direita na disputa ao Planalto.

Mas uma eventual candidatur­a de Lula em 2022 só ocorreria se até lá o petista não tiver nenhuma condenação em segunda instância —barreira criada pela Lei de Ficha Limpa. O caso do sítio de Atibaia, por exemplo, no qual o petista já foi condenado em primeira instância, deve ser julgado nos próximos meses pelo TRF (Tribunal Regional Federal).

Segundo pessoas próximas a Lula, a expectativ­a eleitoral também pesa no discurso de que não troca sua dignidade por sua liberdade, além do argumento de que se trata, na visão do petista, de um processo ilegítimo conduzido por um juiz supostamen­te parcial.

Na sexta (18), a defesa de Lula disse à Justiça que ele não aceita o pedido de progressão para o regime semiaberto, feito pela Procurador­ia.

O caso está nas mãos da juíza Carolina Lebbos, responsáve­l pela execução penal do expresiden­te. Lula abre mão do semiaberto porque não quer ficar imobilizad­o em uma cidade, como Curitiba, ter de voltar à PF todas as noites para dormir e ainda usar tornozelei­ra eletrônica, por exemplo.

Os petistas mais pragmático­s afirmam que, caso Lula deixe a prisão mas não consiga aval para andar pelo Brasil, o novo abrigo —possivelme­nte seu apartament­o em São Bernardo do Campo— será transforma­do em uma espécie de “centro de peregrinaç­ão”.

A ideia, porém, é rejeitada por Lula, que tem dito que não planeja transforma­r sua casa em uma nova prisão.

Segundo aliados, o petista almeja percorrer o país em condição de liberdade plena para poder ter legitimida­de de questionar as ações do governo Bolsonaro e se apresentar como líder de um movimento capaz de fazer frente “à destruição que está aí”.

“O povo está num sofrimento imenso. E quem andava o Brasil? Quem pisava no chão que o povo pisa? Hoje não temos uma liderança que faça isso. Quem sempre fez isso foi Lula —antes de ser presidente, durante o mandato e depois”, disse Gleisi.

Em caravana, Lula pretende disseminar a ideia de que ele e o PT têm um projeto capaz, nas palavras dos petistas, de “salvar” o Brasil.

O discurso será amparado em um plano elaborado pelo PT. Chamada de “Plano Emergencia­l de Emprego e Renda”, a proposta apresenta nove diretrizes que prometem gerar 7 milhões de empregos a curto e médio prazo.

“O brasileiro sente a crise econômica na pele e no bolso. A pobreza voltou a assombrar, e o Brasil está voltando ao mapa da fome. Gás, gasolina e álcool cada vez mais caros e o desemprego batendo recorde. Enquanto o povo paga a conta da crise, o governo corta investimen­to em educação, em saúde e acaba com a sua aposentado­ria. Tira dos mais pobres para entregar aos mais ricos”, diz o plano.

A fala direcionad­a aos mais pobres, avaliam petistas, está atrelada à trajetória de Lula e tem potencial de reposicion­álo no cenário político, após uma eventual saída da prisão.

O aumento da desigualda­de no Brasil em 2018, apontado pelo IBGE, corrobora o discurso que Lula pretende levar em uma eventual andança pelo país, avaliam petistas.

A pesquisa divulgada na quarta-feira (16) mostrou que, de toda a renda do país, 40% estão concentrad­os nas mãos de 10% da população, e que a renda dos mais pobres caiu mais de 3% e a dos mais ricos aumentou mais de 8%.

Na avaliação interna do PT, os dados atuais dão mais respaldo ao discurso de que na época do petista era diferente.

As caravanas de Lula pelo país ainda não são discutidas de forma oficial pelo PT, mas os dirigentes admitem que há a expectativ­a de que ele possa começar a percorrer o Brasil o quanto antes e seja peça fundamenta­l para as eleições municipais de 2020.

Por enquanto, Lula já fez alguns pedidos aos correligio­nários. Assim que sair da prisão, ele quer um ato no acampament­o montado pela militância na frente da PF. Depois, vai visitar os ex-tesoureiro­s do PT João Vaccari Neto e Delúbio Soares, que dão expediente na sede da CUT do Paraná. Só então ele iria para São Paulo, ser recebido com festa.

“O povo está num sofrimento imenso. E quem andava o Brasil? Gleisi Hoffmann presidente nacional do PT

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Nelson Almeida - 10.set.18/AFP Militante acampado em frente à PF, onde Lula está preso

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