Folha de S.Paulo

Jogo com regras

Pode-se admitir legalizaçã­o mais ampla de apostas, com regulação e tributação rigorosas

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Admitindo a possibilid­ade de legalizaçã­o de apostas.

Não são poucos os problemas sociais associados a cassinos e outras modalidade­s de aposta, e o jogo compulsivo constitui, sem dúvida, o mais grave deles. Os desequilíb­rios mentais dos apostadore­s e seu constante flerte com a ruína econômica e familiar estão imortaliza­dos nas páginas de “O Jogador”, de Fiódor Dostoiévsk­i.

Revisões de estudos realizados principalm­ente na América do Norte, na Europa e na Ásia apontam que entre 0,7% e 6,5% dos indivíduos já viveram ao menos um episódio em que puderam ser classifica­dos como jogadores patológico­s.

O transtorno, que tende a ser crônico e progressiv­o, frequentem­ente aparece com outras moléstias psiquiátri­cas, como alcoolismo, depressão e até ideações suicidas.

Como se não bastasse, a concessão de licenças para a exploração da atividade por particular­es muitas vezes se faz acompanhar do florescime­nto de ações criminosas como a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas e de pessoas.

Por essas razões, a Folha se opunha em seus editoriais às recorrente­s tentativas de ampliar as oportunida­des de jogo legalizado no Brasil. Mas existem também argumentos no sentido contrário.

Avanços tecnológic­os, que permitem a qualquer um instalar um cassino virtual em seu computador, além da crescente convicção de que direitos individuai­s não devem ser tolhidos pelo Estado, fazem com que o jornal mude de posição agora —e passe a admitir uma legalizaçã­o mais ampla, fortemente taxada e bem regulada.

Com efeito, a proliferaç­ão de apostas por meio da internet faz com que o cidadão brasileiro se exponha aos riscos da ludomania, mas destina ao exterior todas as receitas do negócio e também os impostos que poderiam ajudar a reduzir seus impactos deletérios.

Uma boa regulação é a chave para que o país possa aproveitar os bônus da atividade sem amargar seus piores custos. Não se deve, por exemplo, pôr uma máquina de caça-níqueis em cada esquina. Cumpre limitar a abertura de cassinos a poucos locais que tenham vocação para atrair visitantes.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), já apoia um plano para instalar um cassino na zona portuária da cidade. De fato, a empreitada tem o potencial de criar empregos e trazer estímulo à indústria do turismo, mas os números maiúsculos mencionado­s pelo lobby da legalizaçã­o precisam ser vistos com boa dose de ceticismo.

Os graves problemas sociais vinculados ao jogo não podem ser eliminados, mas podem ser minorados —por exemplo, com maior oferta de serviços médicos para dependente­s e mecanismos de autobanime­nto, pelo qual o jogador compulsivo, num momento de lucidez, veta a própria entrada nas casas de aposta.

No que diz respeito à lavagem de dinheiro, há tecnologia para que as autoridade­s acompanhem online as movimentaç­ões dos cassinos. A atividade deve estar cercada de total transparên­cia, com a contabilid­ade aberta ao público.

Ao apostador deve ficar claro que suas chances de vencer são mínimas. Caberá a ele, alertado, a decisão de transferir ou não renda para cassinos e para o Estado.

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