Folha de S.Paulo

Proposta radical para o FGTS

- Economista, foi presidente do BNDES e do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso Por Persio Arida

Em 1993, argumentei que a estabiliza­ção faria com que fundos compulsóri­os de poupança perdessem a razão de existir. Volto ao tema: o FGTS, tal qual o conhecemos, deve deixar de existir.

Autor defende o fim do FGTS tal como o conhecemos, de modo a facultar ao trabalhado­r sacar seu saldo após o término do contrato de trabalho, seja qual for o motivo, e poder escolher onde abrir sua conta e como investir seus recursos Inicio minha colaboraçã­o coma Folha tratando de um tema que está em voga: o FGTS. Foi editada recentemen­te a medida provisória número 889, que está sendo apreciada pelo Congresso, e o monopólio da Caixa Econômica Federal voltou a ser questionad­o.

É um tema antigo. No meu discurso de posse no BNDES, em 1993, argumentei que a estabiliza­ção econômica do Plano Real faria com que fundos compulsóri­os de poupança perdessem sua razão de existir. Tratei do assunto em artigos posteriore­s defendendo o fim do monopólio da Caixa e a remuneraçã­o do fundo pela taxa de captação de longo prazo do Tesouro Nacional.

Volto aqui ao tema com uma proposta mais radical. O FGTS, tal qual o conhecemos —um fundo de empréstimo­s gerido por um Conselho Curador composto por seis representa­ntes dos sindicatos e seis representa­ntes do governo, administra­do pela Caixa e remunerado de acordo com critérios fixados por lei— deve deixar de existir.

O FGTS foi criado em 1966 com um duplo objetivo. De um lado, substituir o regime de trabalho então vigente, que dava ao empregado estabilida­de após dez anos de trabalho, amenos de demissão com justa causa. P orou trolado, colocar recursos à disposição do BNH,umb anco estatal federal, para financiara construção de casas populares.

Vinte anos depois, o BNH foi extinto e incorporad­o à CEF, mas o FGTS manteve sua dupla função. Mais tarde o FGTS passou a financiar e/ou investir em saneamento, infraestru­tura e saúde.

OFGT Sé formado por contas individuai­s juntoàCEF.A empresa deposita 8% do salário mensal do trabalhado­r nessa conta. O mecanismo ilude porque dá a impressão de que oFGT Sé um“b ônus extra” concedido ao trabalhado­r quando, na ver da de,épart edes eu salário em termos econômicos. Os 8% são um custo para empresas e integram a remuneraçã­o do empregado por seu trabalho.

O empregado consegue sacar 100% de seu FGTS e ainda recebe da empresa uma multa rescisória no montante de 40% do seu saldo acumulado se for demitido sem justa causa.

Se pedir voluntaria­mente demissão, no entanto, não recebe a multa e não consegue sacar o fundo. O dinheiro é seu, foi retirado do seu salário, mas o saque só acontece nas condições ditadas pelo governo: doenças graves, compra da casa própria, desemprego por mais de três anos, aposentado­ria.

Essa restrição à liberdade econômica decorre da dualidade de objetivos do FGTS presentes desde sua constituiç­ão. Colocando entraves ao saque dos recursos e centraliza­ndo todos os depósitos na Caixa, os governos conseguira­m aumentar o volume dos empréstimo­s que podem direcionar. Formou-se, assim, uma aliança dos governante­s, que viram no FGTS um instrument­o de podere influência, e partes do setor privado ques e beneficiar­am de seus empréstimo­s. Quem perdeéotra balhador.

Aboa notíciaé quen ãoé precisou ma emenda constituci­onal para corrigi resses problemas. Basta uma MP ou projeto de lei com dois artigos. O primeiro facultando ao trabalhado­r sacar 100% do seu saldo no fundo quando do término do contrato de trabalho. Pouco importa a natureza do término: se foi demitido, se pediu demissão ou se a demissão foi negociada.

O segundo artigo daria a ele a opção de escolhera instituiçã­o para abrir sua conta e aforma de aplicação dos seus depósitos. A opção padrão seria o investimen­to no Tesouro Direto, mas o trabalhado­r poderia optar por qualquer outra modalidade de investimen­to.

Embora simples no plano legal, essas modificaçõ­es devem serimpl ementadas com cuidado. Alongo prazo farão com que o FGTS deixe de ser um instrument­o de política econômica. A preocupaçã­o nesse caminho é evitar que o fundo fique sem liquidez suficiente parapa garos resgates, obrigando o Tesouro a socorrê-lo.

Haveria como financiar os investimen­tos em habitação popular, saneamento e infraestru­tura sem o FGTS? Minha resposta é sim. Fontes dedicadas de crédito preenchiam uma lacuna antes do Plano Real quando os empréstimo­s eram predominan­te mente de curtíssimo prazo.

Hoje, 25 anos depois, o que nos faz falta são bons marcos regulatóri­os e uma lei geral de garantias, não crédito direcionad­o ou subsidiado. A habitação popular, particular­mente para os segmentos mais vulnerávei­s da sociedade, deve ser subsidiada, mas o lugar certo paraissoéo Orçamento da União, não o FGTS.

Aformac orreta dosubsídio­éa ajuda em dinheiro na compra do imóvel, não o barateamen­to do empréstimo às custas dos trabalhado­res que contribuem para o fundo. Voltarei ao assunto em mais detalhes nos próximos artigos.

As modificaçõ­es do FGTS que aqui defendo estão longe de esgotar o tema. Vale apena discutir se deveria ser, em parte ao menos, um fundo de previdênci­a complement­ar. Devemos repensar sua sobreposiç­ão com o seguro-desemprego, um benefício temporário pago com dinheiro do setor público.

A multa rescisória de 40% é muito alta. Beneficia quem já está empregado, mas inibe novas contrataçõ­es. Por incrível que pareça, só pode ser mudada via PEC. A multa adicional de 10%, que vai para o patrimônio do fundo, e não para a conta individual do trabalhado­r, pode ser eliminada vi alei complement­ar. Essa seria, aliás, amaneiram ais simples de começara desonerar afolha de trabalho.

São discussões importante­s, mas o míni moas erfeitoéf azer vingara liberdade econômica. O fato de os trabalhado­res aproveitar­em qualquer oportunida­de que lhes seja dada para sacar seu FGTS é uma demonstraç­ão eloquente dos desacertos do modelo atual.

Hoje, 25 anos depois, o que nos faz falta são bons marcos regulatóri­os e uma lei geral de garantias, não crédito direcionad­o ou subsidiado. A habitação popular, particular­mente para os segmentos mais vulnerávei­s da sociedade, deve ser subsidiada, mas o lugar certo para isso é o Orçamento da União, não o FGTS

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