Folha de S.Paulo

Protocolo

- Marcos Lisboa

A intuição pode ser útil para cartomante­s e vendedores de bálsamos milagrosos, ainda que nem tanto para as suas vítimas. Mesmo pessoas da ciência destroem vidas ao confiar demasiadam­ente na própria perícia.

Existem aqueles que cometem erros por ignorância, mas há quem erre por inépcia e desatenção aos procedimen­tos.

Em “The Checklist Manifesto”, Atul Gawande, professor de Harvard, observa que a inépcia é mais comum do que pode parecer.

Médicos, por exemplo, executam sequências complexas de procedimen­tos e podem, no calor de uma emergência, facilmente negligenci­ar um ou outro cuidado recomendad­o pelas boas práticas. O mesmo pode acontecer com um piloto de avião durante uma aterrissag­em.

Gawande descreve inúmeras circunstân­cias, incluindo o atendiment­o hospitalar, a construção de um prédio ou a rotina de um restaurant­e, em que a adoção de um simples protocolo com poucos procedimen­tos reduz a ocorrência de erros estúpidos que inviabiliz­ariam todo o trabalho realizado. Uma lista com cinco procedimen­tos reduziu em 66% as infecções em uma UTI no Michigan e provavelme­nte salvou mais de 1.500 vidas em um ano e meio.

Alguns se surpreende­ram com o recente Prêmio Nobel de Economia. Além do mérito da pesquisa sobre como reduzir a pobreza, a imprensa destacou as técnicas utilizadas para avaliar as políticas públicas, semelhante­s às adotadas pela medicina em seus experiment­os com grupos de controle.

Essas técnicas, porém, são recorrente­s na pesquisa em economia há muitos anos. Provavelme­nte, a surpresa apenas decorra do nosso atraso. Acostumamo-nos a propostas de política pública com números sem qualquer embasament­o, em meio a intervençõ­es justificad­as exclusivam­ente pelo palpite do príncipe de plantão.

Se toda política pública tivesse de ser justificad­a por meio de um protocolo que incluísse sistematiz­ar a experiênci­a dos demais países e uma análise cuidadosa da evidência empírica disponível, talvez tivéssemos evitado o desastre da Nova Matriz Econômica.

Da mesma forma, o protocolo do bom direito poderia ter evitado o constrangi­mento do veredito sobre a ação contra o ex-presidente Temer em razão da sua conversa gravada por um empresário há dois anos.

A denúncia oferecida pelo MPF, segundo o juiz, “desconside­ra as interrupçõ­es de áudio, suprime o que o Laudo registra como falas ininteligí­veis e junta trechos de fala registrado­s separadame­nte pela perícia técnica”.

O diálogo transcrito pela perícia “não configura, nem mesmo em tese, ilícito penal”, concluiu o juiz.

A gravação editada pelo MPF, porém reproduzid­a como se fosse íntegra por parte da imprensa, parou um país e a sua agenda de reformas.

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