Folha de S.Paulo

Brasil acima de tudo

Apoio da direita a Bolsonaro não deve ser incondicio­nal

- Gabriel Kanner

Após a vitória acachapant­e de Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições de 2018, não havia prenúncio das divergênci­as que poderiam ocorrer entre diferentes correntes da direita.

Durante a corrida eleitoral, todo o campo da direita —liberais, libertário­s e conservado­res— se juntou para derrotar o PT nas urnas. E era absolutame­nte necessário que fosse assim. Precisávam­os tirar o PT do poder. Todos lutaram juntos pelo combate à corrupção, pela liberdade econômica e pela defesa dos valores que são a base da nossa sociedade. Esses foram os pilares que elegeram Bolsonaro, e me orgulho de ter lutado por isso.

O que passamos a ver ao longo dos últimos meses, principalm­ente depois de maio, foi um crescente atrito entre duas principais correntes ideológica­s: uma direita governista, onde o mais importante é defender o governo acima de qualquer padrão moral ou ético, e uma direita independen­te, que apoia o governo e trabalha para que esse governo dê certo, porém não atenua práticas questionáv­eis em detrimento dos valores que acredita. Este atrito, até então controlado, se escancarou por causa de uma pauta específica: a CPI da Lava Toga.

Nas manifestaç­ões do dia 26 de maio, que de forma geral apoiaram o governo, as principais pautas defendidas pelos organizado­res eram as seguintes: 1 - defesa da nova Previdênci­a; 2 - defesa do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça); e 3 - defesa da CPI da Lava Toga. O discurso de combate à corrupção era hegemônico. Curiosamen­te, meses depois, o discurso de alguns desses grupos mudou.

Quando a CPI da Lava Toga deixou de ser de interesse do governo, alguns grupos passaram a defender a narrativa de que a CPI não trará resultado nenhum e que irá travar o desenvolvi­mento do país. O que ocasionou essa mudança?

Existem diversos indícios de abuso de autoridade e crimes de responsabi­lidade cometidos pela Suprema Corte do país, e a CPI da Lava Toga é a única ferramenta constituci­onal que temos para começar a investigar esses abusos. Vale lembrar que o mensalão só foi descoberto e desmantela­do graças à CPI dos Correios. É um artifício válido e eficiente no combate à corrupção.

Já o argumento de que atrapalhar­ia a aprovação da reforma da Previdênci­a e de outras pautas importante­s exige um certo grau de malabarism­o intelectua­l e moral. A reforma da Previdênci­a é amplamente apoiada pela população brasileira e será aprovada pelo Senado porque não há outra alternativ­a. Uma única comissão não terá influência para travar uma reforma imprescind­ível para o país. Além disso, não podemos admitir que tenhamos que trabalhar em conjunto com um sistema corrompido porque é necessário “para o país avançar”.

Um dos pilares do conservado­rismo é exatamente o ceticismo político e a defesa das ideias corretas acima de qualquer pessoa ou grupo político. Alguns grupos nos pedem para apoiar o presidente indiscutiv­elmente. Sugerem que, apesar de alguns deslizes ou mudanças de postura, o projeto macro é mais importante e portanto deve ser defendido a qualquer custo.

Discordo. Apoiei o presidente desde o primeiro turno em 2018 —e o farei sempre que as pautas estiverem corretas. Apoiarei integralme­nte a diminuição do tamanho do Estado, as privatizaç­ões, a desburocra­tização, a defesa dos valores familiares e o combate à corrupção.

Mas, quando alguma ação ou postura colidir com esses pilares, não fecharei os olhos. Ideias estão acima de qualquer pessoa. E o Brasil está acima de tudo, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

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Marcelo Cipis

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