Folha de S.Paulo

Escola de novos políticos mira eleição municipal e tenta se descolar de Huck

Iniciativa do RenovaBR capacita 1.400 alunos no país e trata apresentad­or apenas como ‘um apoiador’

- Joelmir Tavares

“Vocês são a próxima geração de líderes do Brasil”, “olhem para o lado, vocês não estão sozinhos”, “tem mais gente como vocês”, “ninguém falou que ia ser fácil”, “mostrem para as pessoas que política não é só aquilo que elas leem no jornal e as deixa às vezes chateadas”.

No auditório, 157 pré-candidatos a vereador e a prefeito da região Nordeste ouviam as mensagens de estímulo, na tarde ensolarada de um sábado de setembro no Recife.

O grupo, formado por pessoas em sua maioria na casa dos 20 a 30 anos, faz parte da turma que está sendo capacitada pelo RenovaBR para entrar na vida pública e disputar as eleições de 2020. São 1.400 alunos em 445 cidades, em todos os estados, que fazem um curso a distância por cinco meses.

A iniciativa é aquela que ficou conhecida por ter como garoto-propaganda o apresentad­or da TV Globo e empresário Luciano Huck, tratado oficialmen­te pela entidade como “apenas um apoiador”.

Fundada em 2017 pelo empresário Eduardo Mufarej, a autodenomi­nada primeira escola de políticos do Brasil, mantida com doações privadas, ajudou a eleger 17 parlamenta­res em 2018 e agora mira os pleitos municipais.

Quer repetir o sucesso alcançado com a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), a estadual Marina Helou (Rede-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), alguns dos eleitos com um empurrão da iniciativa supraparti­dária.

Os três integravam o grupo de 133 potenciais candidatos que fizeram o curso em São Paulo em 2018. Desta vez, as aulas —que abrangem de conceitos básicos da democracia até estratégia­s de campanha eleitoral— são pela internet.

E os encontros regionais (cinco no total, em capitais como Rio de Janeiro e Florianópo­lis) foram agendados para os inscritos conhecerem uns aos outros e se enxergarem como uma comunidade.

O do Recife, que foi acompanhad­o pela Folha, combinou ares de palestra motivacion­al com dinâmicas de grupo e palestras no estilo TED Talks. Monitores, de microfone preso na bochecha, se revezaram no palco diante do telão.

Em rodinhas nos intervalos, o assunto que vira e mexe surge nos grupos de WhatsApp dos alunos também era lembrado: a possível candidatur­a de Huck a presidente em 2022 e onde os participan­tes do Renova entram nessa história.

O apresentad­or intensific­ou nos últimos meses movimentaç­ões que podem resultar em sua entrada na corrida pelo Planalto, o que quase aconteceu em 2018.

Sem filiação a partido, Huck tem atuado na esfera pública por meio de movimentos cívicos, como ele define o Renova e o Agora!, outro grupo de renovação no qual milita.

A eleição de novos líderes, que possam lá na frente ajudar a catapultar uma eventual candidatur­a ao governo, passou a ser vista como parte de um esforço para formar o que seria uma base de Huck —o que os envolvidos negam.

A resposta óbvia é que no grupo de inscritos há filiados de 30 partidos diferentes, da direita à esquerda, o que desconstru­iria de cara essa tese.

Unanimidad­e seria impossível.

Participan­tes relatam, no entanto, que têm sido questionad­os por eleitores. Alguns futuros candidatos dizem até ter simpatia pela ideia, mas falam que não há nenhuma influência do Renova em relação a essa ou a outras pautas.

“Eu gosto de Huck, então eu poderia talvez apoiá-lo”, diz Bruna Karina Silva, 26, que é filiada ao PSL, partido do atual chefe do Executivo. “[Jair Bolsonaro] é um bom presidente, prega a disciplina, mas não concordo com tudo o que ele faz. Por exemplo, a reforma da Previdênci­a

[não foi boa]”, segue ela, que disputou vaga na Câmara dos Deputados em 2018 e perdeu.

Recepcioni­sta do diretório do PSL em Pernambuco, Bruna planeja agora tentar uma vaga de vereadora e diz que o Renova representa um “selo de imagem positiva”, além de ajudá-la a “se mexer” para viabilizar sua campanha.

Com idade e ideologia distintas, a aluna Jacqueline de Souza Lessa, 50, pertence ao PC do B e tentará entrar na Câmara Municipal de Fortaleza. Diferenças à parte com a colega do PSL, a pedagoga também diz ver possibilid­ade de embarcar na aventura Huck.

“O Renova nunca me pediu nada, e eu só tomaria qualquer decisão após falar com o meu partido”, pondera, sem descartar um apoio.

As dificuldad­es comuns a muitos que tentam entrar na política —barreiras nos partidos, financiame­nto escasso, formação deficitári­a— repetem-se nos depoimento­s.

No auditório, onde foram recebidos por dançarinos de frevo vestidos à moda, estavam participan­tes como Karla Falcão, 27, já quase uma veterana (disputou duas eleições no Recife e atua no movimentos Livres), e Renné Gonçalves, 24, que, de chapéu de couro, contava sobre o sonho de ser prefeito de Chã Grande (PE).

A primeira é filiada ao Cidadania; o segundo está no Patriota e deve migrar para o PSD.

Dias antes, no encontro de São Paulo, a Folha também observou perfis variados. Por exemplo: Paulo Mathias, 29 (Novo), chamado de “mini-Doria” quando integrava a gestão João Doria na capital, e Luciano Queiroz, 30 (PT), cientista que encara resistênci­as em sua sigla pela entrada no projeto.

No evento do Rio, Huck compareceu com a mulher, Angélica, discursou e foi aplaudido com entusiasmo.

A etapa atual, que foi batizada de RenovaBR Cidades e enfatiza temas ligados aos municípios, terá 96 horas de aulas gratuitas até dezembro. Agora não existe a ajuda mensal em dinheiro, a título de bolsa de estudos, oferecida para a turma de 2018 —que variava de R$ 5.000 a R$ 12 mil.

Registrada como associação sem fins lucrativos, a organizaçã­o arrecadou no ano passado R$ 18,5 milhões e gastou R$ 9,8 milhões com formação. O jornalista viajou ao Recife e ficou hospedado a convite do RenovaBR

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RenovaBR/Divulgação Participan­tes do encontro no Recife que reuniu alunos do Nordeste

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