Folha de S.Paulo

Nova derrota mostra Boris acuado e poder na mão de deputados

- Fábio Zanini

Um efeito colateral da intermináv­el saga do brexit é a desvaloriz­ação do principal emprego público do Reino Unido, o de primeiro-ministro. Já houve chefes de governo fracos na mãe de todas as democracia­s, mas a palavra humilhação parece ter ganho um novo significad­o.

Primeiro com Theresa May, e depois com seu sucessor, Boris Johnson, o processo de saída britânica da União Europeia se tornou uma máquina de moer reputações.

Pode-se incluir na lista também David Cameron, que era amplamente considerad­o um líder firme e ousado até cometer o erro de cálculo de promover um plebiscito que jogou o país em sua maior crise constituci­onal. Boris, ocupante do cargo que já foi de Winston Churchill, Margaret Thatcher e mesmo Tony Blair, é hoje ridiculari­zado.

Sua derrota neste sábado (19), numa votação na qual investiu todo o capital político que lhe restava, consolida seu isolamento. As cenas da multidão do lado de fora do Parlamento reforçam a percepção de um líder cercado.

Seres acuados agem de forma imprevisív­el, e Boris, que nunca foi um político muito racional, tem poucas opções.

A mais óbvia, renunciar e tentar recompor-se politicame­nte aproveitan­do-se de pesquisas que inacredita­velmente ainda lhe são favoráveis, parece ser um caminho descartado, ao menos por enquanto.

Político de sorte, tem a seu favor a fragilidad­e de Jeremy Corbyn, líder trabalhist­a da esquerda radical, e a quase irrelevânc­ia dos liberal-democratas. Mas prefere resistir no cargo.

Sua primeira reação à derrota foi recusar-se a pedir uma extensão do prazo de negociaçõe­s e manter o mantra de saída em 31 de outubro.

De forma birrenta, ao insistir no calendário de votações como se nada tivesse acontecido mostra estar a reboque dos fatos, o oposto do que se espera de um primeiro-ministro.

O que o Super Sábado mostra é que o controle da situação passou definitiva­mente do premiê para o conjunto do Parlamento.

Quem dá as cartas no momento é a gritaria dos deputados, incontrolá­veis apesar dos pedidos quixotesco­s de “ordem” do presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, talvez a segunda figura que inspira mais pena hoje na política britânica.

A menos de duas semanas do prazo fatal para a saída britânica do bloco, e sem sinal de solução para o impasse, a perspectiv­a de um desligamen­to caótico do Reino Unido da UE cresce no retrovisor.

A emenda que prolongou a agonia foi aprovada por margem pequena de votos, o que indica que lentamente visão moderada poderia estar ganhando terreno.

Mas para que um acordo seja palatável ao Parlamento britânico seriam necessária­s duas coisas que estão em oferta escassa no país: tempo e sangue frio. Um novo líder no comando também cairia bem.

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