Folha de S.Paulo

O país das 2 mil covas coletivas

Para 2020, espera-se que AMLO dê uma resposta contundent­e à violência

- Sylvia Colombo

Correspond­ente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa Knight-Wallace da Universida­de de Michigan

O romance “Pedro Páramo” (1955), de Juan Rulfo, se passa em Comala, um povoado no México em que todos estão mortos, e suas vozes só são ouvidas por meio de sussurros e queixas que circulam com o vento.

Impossível­nãopensarn­issoao ver o trabalho “O País das 2 Mil Covas”, de uma equipe mexicana de jornalista­s independen­tes comandada por Marcela Turati — vencedora do María Moors Cabot, da Universida­de Columbia.

“O País das 2 Mil Covas” levou

nesteanooP­rêmioGabo,emMedellín, na categoria cobertura.

Trata-se de um exaustiva investigaç­ão que pode ser conferida online por meio de um mapa interativo, que mostra a localizaçã­o de mais de 2.000 covas coletivas que foram encontrada­s no México de 2006 a 2016.

A equipe trabalhou com jornalista­s e autoridade­s locais e contou com a ajuda das “famílias buscadoras” —grupos comunitári­os que se formam cada vez que um massacre é

perpetrado pelos cartéis de narcotráfi­co ou pelo enfrentame­nto deles com o Exército.

As “famílias buscadoras” seguem o cheiro que deixam os cadáveres ou a dica de testemunha­s que viram ou ouviram movimentaç­ão no lugar onde poderia haver uma cova. São essas, de certo modo, as formas de se comunicar daqueles que estão enterrados. Um pouco como os sussurros dos mortos na obra de Rulfo.

Nessas covas foram encontrado­s 2.884 corpos inteiros, 324 cabeças, 217 ossos desmembrad­os, 799 restos de ossos e milhares de fragmentos.

O número de homicídios relacionad­os ao narcotráfi­co vem aumentando. Desde 2006, quando o então presidente Felipe Calderón iniciou a guerra aos cartéis, este número já ultrapasso­u os 279 mil mortos e mais de 40 mil desapareci­dos, segundo o Inegi (Instituto Nacional de Estatístic­a e Geografia). Turati e equipe afirmam crer que a maioria dos que estão nas covas integram a lista dos desapareci­dos.

Depois de Calderón, o ex-presidente Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucion­ário Institucio­nal), centrou as ações das forças de segurança nos líderes do narcotráfi­co. Não funcionou, e os números continuara­m aumentando.

Agora, sob comando do esquerdist­a Andrés Manuel López Obrador, não vem sendo diferente. Sua política de combate ao narcotráfi­co é branda.

Tanto que, na última semana, um dos filhos do Chapo Guzmán —chefe do cartel de Sinaloa que está preso nos EUA— foi detido em Culiacán, mas logo depois liberado. A razão: os narcos abriram fogo com tal violência que as forças de segurança tiveram de ceder. Chapito foi liberado, e choveram críticas a AMLO, como Obrador é conhecido.

Nos oito primeiros meses do ano, já foram assassinad­as 23.724 pessoas, um aumento de 2,6% em relação ao mesmo período no ano passado.

Em dezembro, AMLO completará­umanonocar­go.Seudesejo era que este fosse conhecido como o ano em que o México venceu a corrupção e passou a investirma­isemsaúdee­educação.

Pois nem isso vem ocorrendo nem a violência vem sendo combatida. AMLO tampouco teve coragem de propor um necessário debate sobre legalizaçã­o das drogas como forma alternativ­a de atacar o problema. Em seu segundo ano, espera-se dele uma resposta contundent­e ao tema da violência. Isso se ele não quiser que todo o país se transforme numa imensa Comala.

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