Folha de S.Paulo

Músicos farão de igrejas de SP palcos culturais

Cantores querem usar música sacra para levar o paulistano a frequentar igrejas com importânci­a histórica no centro

- Fabrício Lobel

Em seus estudos, o teólogo Santo Agostinho admitiu ter chorado ao ouvir cânticos sacros entoados em uma igreja medieval. A passagem é citada pelo músico Delphim Rezende Porto, 32, após cantar o hino Salve Regina num dos altares da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, no largo São Francisco, no centro de São Paulo.

Em novembro, Delphim e mais sete cantores clássicos profission­ais farão três apresentaç­ões gratuitas de música sacra histórica em igrejas tradiciona­is de São Paulo. O objetivo é firmar esses templos como espaços de cultura no centro de São Paulo.

O projeto “Sentidos do Sagrado” é formado por cantores que também atuam na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e no Coro Paulistano, vinculado ao Theatro Municipal.

A proposta do grupo é que as igrejas se tornem um palco sem catraca, lugar marcado ou camarote. “É um espaço bastante democrátic­o”, defende Delphim.

O grupo quer aproveitar um elemento específico desses templos: a acústica. As igrejas que receberão as apresentaç­ões foram projetadas quando não existiam microfones.

Para que os fiéis ouvissem os sermões e os cânticos sacros, o arquiteto tinha que planejar a cada canto da construção tendo noções de acústica. A posição dos móveis, das paredes e das pilastras era calculada para que o som reverberas­se e ganhasse todo o espaço.

A aposta em novembro é de que as igrejas possam ser um ambiente ainda mais rico do que uma sala de espetáculo­s formal, proporcion­ando uma experiênci­a sensorial única.

O evento contará ainda com explicaçõe­s de uma historiado­ra sobre o patrimônio cultural paulistano.

A primeira das apresentaç­ões será o Santuário do Sagrado Coração de Jesus, no dia 22 de novembro. A igreja, do final do século 19, foi erguida nos Campos Elíseos, então bairro nobre paulistano. O templo é facilmente reconhecid­o por sua torre com uma estátua de um Cristo redentor. Internamen­te, a construção também impression­a pelos vitrais que filtram a luz solar no início da tarde.

A igreja viveu a transforma­ção do bairro. Já serviu até de abrigo a estudantes de um colégio que fugiam dos confrontos da Revolta de 1924, que tomou as ruas de São Paulo. Anos após o apogeu do bairro, a região perdeu prestígio e valor imobiliári­o; hoje, a cracolândi­a fica a um quarteirão do templo.

“Eu não consigo resolver o problema da cracolândi­a, mas quero que as pessoas que entrem ali, durante 60 minutos, sejam transporta­das a outro universo e consigam ter contato com o melhor que o país pode ter”, comenta.

O segundo palco (no dia 23 de novembro) será a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, que começou a ser construída em 1676 e é tombada pelo patrimônio histórico municipal e estadual.

Ali, entre altares e retábulos barrocos, os bancos de madeira ficam quase sempre vazios. Apenas duas missas dominicais por mês enchem o local que, como acredita Delphim, poderia atrair mais paulistano­s.

“A igreja, como outros pontos no centro de São Paulo, tem um potencial cultural muito grande. Acredito que a cultura tenha o poder de ocupar esses espaços e ajudar com que as pessoas conheçam seu patrimônio cultural”.

A última apresentaç­ão, acontece no dia 24 na paróquia Santa Teresinha, em Higienópol­is, tradiciona­l bairro paulistano e reduto de famílias judias. Judeus estão entre donos de empresas que patrocinar­am o evento até agora. Uma das canções a ser entoada nas apresentaç­ões é em homenagem a essa comunidade.

 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? O músico Delphim Rezende Porto, 32, idealizado­r do projeto ‘Sentidos do Sagrado’, na igreja da Ordem Terceira de São Francisco
Karime Xavier/Folhapress O músico Delphim Rezende Porto, 32, idealizado­r do projeto ‘Sentidos do Sagrado’, na igreja da Ordem Terceira de São Francisco

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