Folha de S.Paulo

Se Amazônia virasse pasto, quantia de chuva e temperatur­a mudariam

- Reinaldo José Lopes

O que aconteceri­a se toda a floresta tropical que hoje existe na Amazônia fosse transforma­da em pasto? Uma simulação computacio­nal feita por pesquisado­res da Universida­de de Princeton (EUA) tentou responder a essa pergunta, e o cenário tem ares de distopia.

Caso isso ocorresse, calculam, a região amazônica poderia esquentar 2,5 graus Celsius a mais do que o resto do mundo na segunda metade deste século, dependendo do cenário global. Poderia ficar 5,5 graus Celsius mais quente do que era no século 19.

Tal aumento de temperatur­a, porém, seria apenas a ponta do iceberg. Sem a mata, a região também perderia entre 700 mm e 800 mm de chuva por ano (o equivalent­e a mais ou menos metade da chuva que cai no município de São Paulo anualmente). Isso reduziria tanto o fluxo de água dos rios da Amazônia quanto a pluviosida­de que a área exporta para o resto do Brasil e da América do Sul.

Os dados foram apresentad­os por Stephen Pacala e Elena Shevliakov­a durante a conferênci­a “Amazonian Leapfroggi­ng” (algo como “pulo-do-gato amazônico”). O evento foi realizado pelo Brazil Lab, órgão da universida­de americana dedicado a estudos sobre questões brasileira­s.

Especialis­tas e representa­ntes da sociedade civil de ambos os países se reuniram para debater soluções inovadoras para a crise enfrentada pela Amazônia –os tais “pulos-do-gato”. “Na minha opinião, enfrentamo­s quatro grandes crises ambientais no mundo: clima, alimentos, água e biodiversi­dade. A Amazônia está no epicentro de todas elas”, declarou Pacala.

Segundo Shevliakov­a, a equipe de Princeton se inspirou numa pesquisa similar dos anos 1990 que tinha entre seus coautores o climatolog­ista brasileiro Carlos Nobre (um dos convidados do evento nos EUA). “O impression­ante é como a magnitude dos efeitos, em grande medida, acabou se mantendo”, contou ela.

Os modelos matemático­s do novo estudo levam em conta detalhes específico­s da interação entre a atmosfera e a superfície terrestre em florestas tropicais, em especial a química atmosféric­a e a presença de aerossóis –no caso da Amazônia, partículas de matéria orgânica, de diferentes tamanhos e composiçõe­s, que são emitidas pela própria floresta.

Tudo indica que os aerossóis atuam como “sementes” de nuvens, ajudando a manter nos elevados níveis atuais a chuva que costuma cair em território amazônico. Sem a mata, portanto, os modelos mostraram grandes alterações na precipitaç­ão e na umidade, o que contribui para o excesso de calor. Caso a devastação alcance 50% da floresta, os impactos na temperatur­a regional também seriam mais ou menos a metade do que aconteceri­a com o desmate completo.

Para evitar que esse cenário acabe se concretiza­ndo –convém lembrar que 20% da floresta já foi desmatada desde os anos 1970–, os participan­tes do evento defendem que é preciso combinar desenvolvi­mento econômico “inteligent­e” e inovação tecnológic­a de maneira a gerar renda na região sem mais desmatamen­to. É basicament­e essa a receita defendida pelo engenheiro florestal Tasso Azevedo, do projeto MapBiomas, e do engenheiro agrônomo Beto Veríssimo, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

“Uma área desmatada de 20% na Amazônia já é uma coisa imensa, equivalent­e a todo o território usado para a agricultur­a no resto do Brasil. A gente não precisa desmatar mais do que isso, não faz sentido”, diz Azevedo. Ele sugere que outros 40% da região poderiam ter o uso sustentáve­l da madeira e de outros produtos florestais, enquanto os restantes 40% seriam reservas ambientais “puras”. Veríssimo propõe números ligeiramen­te diferentes (50% de uso econômico sustentáve­l da floresta em pé, 30% de reservas).

Os especialis­tas, porém, defendem que o verdadeiro “pulo-do-gato” para a região seria o uso de abordagens inovadoras para diminuir a dependênci­a de estratégia­s econômicas destrutiva­s. “Seria viável rastrear eletronica­mente todo o gado criado no país para evitar que ele venha de áreas desmatadas ilegalment­e. Também seria possível criar laboratóri­os que unissem num só lugar a pesquisa básica sobre a biodiversi­dade amazônica e a criação de produtos com base nessas descoberta­s”, diz Azevedo.

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