Folha de S.Paulo

Diversidad­e embaralhad­a

Ambientes do planeta trocam quase um terço de suas espécies a cada década

- Reinaldo José Lopes

Que diabos está acontecend­o com a biodiversi­dade da Terra?

Se essa pergunta não costuma lhe passar pela cabeça nem tira um pouquinho que seja do seu sono, gentil leitor, esta coluna talvez coloque a proverbial mosca na sua sopa.

Uma análise de 239 estudos publicados indica que, em escala local (ou seja, a que envolve florestas, recifes de corais ou pradarias individuai­s, por exemplo), temos vivido uma bagunça sem precedente­s na diversidad­e da vida.

Em média, a cada década, quase um terço das espécies de animais e plantas de cada local está sendo simplesmen­te trocado por representa­ntes de outras espécies.

Sim, parece conversa de doido, mas é o que indica uma pesquisa que acaba de sair na revista especializ­ada Science, uma das mais prestigios­as do mundo. Coordenado por Shane Blowes, do Centro Alemão de Pesquisa Integrativ­a em Biodiversi­dade, o trabalho sugere que a crise ambiental que atravessam­os é

muito mais complicada do que o mero desapareci­mento de algumas espécies ou a diminuição drástica de suas populações.

Nas palavras de Blowes e de seus colaborado­res, estamos presencian­do uma “ampla reorganiza­ção composicio­nal” da diversidad­e de seres vivos em cada lugar. Trocando em miúdos, as relações entre plantas, presas e predadores (entre outros; a lista está muito longe de ser exaustiva), construída­s ao longo de milhares de anos de evolução, estão sendo rapidament­e substituíd­as por outras — que ninguém ainda sabe bem quais são.

Vale a pena dar um passo atrás para entender como a equipe internacio­nal chegou a essas conclusões. O primeiro passo foi coletar informaçõe­s numa base de dados chamada BioTIME (biotime.st-andrews. ac.uk), cujo objetivo é quantifica­r mudanças na diversidad­e de espécies em quase 400 ecossistem­as que foram monitorado­s ao longo do tempo mundo afora.

Algumas dessas informaçõe­s sobre mudanças na composição de espécies vêm desde o fim do século 19, embora a maioria se concentre nos últimos 40 anos. Para facilitar a comparação entre regiões e entre áreas do mesmo grande bioma (como a mata atlântica ou o cerrado, por exemplo), o grupo de cientistas subdividiu o mapa-múndi em repartiçõe­s hexagonais, com área de 96 quilômetro­s quadrados, incluindo aí os oceanos.

À primeira vista, o resultado foi contraintu­itivo. Na média global, os ambientes não estão perdendo riqueza de espécies, ou seja, o número absoluto de tipos de animais e plantas em cada local, em média, permanece mais ou menos o mesmo. O que predomina é o que os especialis­tas chamam de “turnover”, essa troca intensa de espécies, correspond­ente a 28% do total a cada dez anos.

O fenômeno parece ser especialme­nte intenso em ambientes marinhos de águas quentes, enquanto acontece mais devagar em florestas de locais mais frios. Isso não significa que, em alguns locais, a riqueza de espécies não esteja caindo —há perda de diversidad­e em 23 dos casos estudados.

De todo modo, não há motivos para imaginar que estejamos diante de uma boa notícia. As espécies que estão sendo “expulsas” de ambientes locais provavelme­nte estão sendo substituíd­as, ao menos em parte, por rivais generalist­as (capazes de se virar em muitos tipos de ambiente) ou espécies invasoras, trazidas pelo ser humano. O espectro diante de nós, portanto, é o de ecossistem­as muito mais homogêneos e, talvez, menos resiliente­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil