Folha de S.Paulo

Cada um em seu lugar

Flamengo é referência de bom futebol no Brasil, mas não no mundo

- Tostão

Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Quando critico a maneira de atuar da maioria dos times brasileiro­s, que marcam muito atrás, longe do outro gol, e trocam poucos passes, não significa que exista apenas uma forma de jogo eficiente e que seja fácil marcar mais à frente, pressionan­do em todo o campo. É difícil, além de aumentar os riscos. Assim jogou o Cruzeiro, pelo menos até fazer o gol, contra o São Paulo, o que antes nunca acontecia.

Para essa marcação por pressão funcionar bem, é necessário um time compacto,

sincroniza­do, com ótimo preparo físico e, geralmente, com mais tempo para treinar, o que não foi preciso no Flamengo.

Outros técnicos tentaram fazer o mesmo no Brasil, nos últimos anos, e não deram certo. Apesar de alguns momentos brilhantes, tentar essa marcação mais à frente e com troca de passes desde o goleiro é uma das razões dos maus resultados de Fernando Diniz. O São Paulo ainda não mostrou a cara do técnico. Não mudou nada.

Outros treinadore­s, como

Cristóvão Borges, no Corinthian­s, Alberto Valentim, no Palmeiras, e Levir Culpi, no Atlético, tentaram fazer a marcação adiantada e logo perderam o emprego.

Por sempre jogar recuado fora de casa, para tentar contra-atacar, sem sucesso, Odair Hellmann foi dispensado, ainda mais com a perda do título da Copa do Brasil, da eliminação na Libertador­es e de não estar entre os quatro primeiros no Brasileiro.

O Inter, ajudado pelo bom trabalho de Odair, criou uma expectativ­a acima da realidade, voltou ao normal, e o próprio técnico pagou o pato. É sempre assim.

Não gosto de zagueiros colados à grande área, como é habitual no Brasil, nem de zagueiros no meio-campo. Prefiro um posicionam­ento intermediá­rio, com os defensores um pouco mais à frente, na mesma distância da grande área e do centro do gramado. Assim, o espaço nas costas dos zagueiros não é tão grande — dá tempo de o goleiro sair na cobertura—, e o time não fica tão longe do outro gol.

Recuar, dar a bola ao adversário e contra-atacar com eficiência é uma estratégia que, muitas vezes, dá certo, ainda mais em equipes inferiores aos adversário­s. É o caso do Bahia. O time não joga na retranca. O clube, além de ir muito bem no campo, possui uma administra­ção moderna, humana e competente.

Tão ou mais importante que a estratégia das equipes é o Brasil formar mais jogadores com talento individual e coletivo, melhores no passe, na finalizaçã­o, na marcação, na capacidade de enxergar o conjunto e com mais lucidez nas decisões. Há um grande número de jogadores apenas habilidoso­s e velozes, porém com pouca técnica.

Grêmio, Athletico e Santos alternam a marcação mais recuada e a mais adiantada, em um mesmo jogo, sem a intensidad­e do Flamengo. Contra o Ceará, Sampaoli escalou três zagueiros e dois pontas pelos lados, como alas, em vez de laterais, esquema que Guardiola usa com frequência. Não funcionou bem, e o técnico colocou dois laterais e tirou um zagueiro. A equipe cresceu. Diferentem­ente de Jorge Jesus, Sampaoli troca demais de jogadores e de tática. Muitas vezes, dá errado.

Se não existisse o atual Flamengo, o Palmeiras seria o líder e bastante elogiado, mesmo com críticas pontuais, como ocorreu no ano passado, quando jogava um futebol de qualidade parecida com o time deste ano e foi campeão brasileiro.

O Flamengo criou uma nova referência de bom futebol no Brasil, mas não dá para compará-lo aos melhores times do mundo, como tentam fazer. Cada um em seu lugar.

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